Yvonne Silveira
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Por Yvonne Silveira - 18/4/2015 14:06:30 |
MÃE Não posso deixar de plagiar Constâncio Vigil quando diz: "A inveja é má, mas invejo alguma coisa: o homem que atravessa a rua com um pequenito pela mão". Porque eu invejo a mulher que passa levando um filho nos braços. A vida concedeu-me amores, mas negou-me o mais sublime de todos, o amor materno. Pude amar como filha, irmã, noiva e esposa. No entanto, o coração parece vazio, está sempre a desejar, não obstante o amor que dedico aos que formam a minha família, porque jamais pude sentir o amor de mãe. Imagino quanto este amor pode nos levar a êxtases mais intensos do que os outros, anseio e sonho por um filho que não vem. Por isso, quando uma jovem mãe, rodeada de filhos irrequietos e rebeldes, queixa-se e suspira cansada, dizendo que não ter filhos é mil vezes melhor, vejo nos seus olhos que não está sendo sincera. No fundo do coração que sente uma orgulhosa alegria de possuí-los e sabe que na velhice solada por eles e pelos netos. Todas as tribulações e sofrimentos que os filhos causam e, algumas vezes, até desilusões, nada valem ante a alegria incomensurável que proporcionam aos pais, alegria decorrente do profundo instinto de perpetuação. Somente a maternidade completa a mulher, preenche-lhe o coração, sublima-lhe a vida. Pela maternidade, a mulher torna-se a colaboradora de Deus, amplia o seu apostolado social. Os filhos são a continuação de suas vidas e só por esse meio pode o homem de algum modo escapar da morte que tudo destrói e apaga. O amor fez esse milagre: transmite a vitalidade dos esposos a formas novas antes que as suas formas pereçam. Esta é a lei natural, que é a lei de Deus, infinitamente sábia. Quando o Criador abençoou a união do homem e da mulher dizendo: "Crescei e multiplicai-vos", ficou estabelecida esta lei. Por ela está assegurada a preservação da espécie. E é tão hábil a natureza, que para aliviar a tortura da maternidade, enche de enlevo o coração materno e de orgulho o coração do pai. Sendo assim, uma necessidade da nossa natureza, imposta pelo Criador, como pretende a mulher fugir da maternidade? Será possível que a vida moderna tenha força para extinguir os impulsos naturais? E que seria da espécie humana se o instinto de procriação desaparecesse? Felizmente, porém, o modernismo não atinge a todas as mulheres. Há as que não escolhem o companheiro com o pensamento nos futuros filhos. Há as que se preparam para realizar um matrimônio perfeito, não somente no sentido físico, mas também no sentido moral e espiritual. De tal modo que não podemos perder as esperanças de que o lar continuará sendo o futuro, e a maternidade a mais bela coroa da mulher. As tendências de criar instituições para cuidas das crianças em substituição ao lar devem desaparecer. Nada pode substituir eficazmente o amor dos pais e sabemos quanto são infelizes aqueles que viram o lar desmoronando. Por outro lado, são os filhos o elo mais forte entre os esposos. Com o tempo, o amor tende a esfriar, mas os filhos mantêm acesa a chama. Lutando diariamente para a manutenção dos filhos, compartilhando de desesperos e sofrimentos, conquistando vitórias, os dois vão se afeiçoando cada vez mais, perdoando-se os defeitos e chegam ao fim do caminho unidos como se fossem uma só alma e felizes pelo dever cumprido. É verdade que também os que não têm filhos conseguem isso, mas com maiores esforços. A mulher que tem a ventura de ser mãe não pode compreender a tortura da que não tem tal felicidade. Não pode compreender como a sua luta para manter aceso o amor é maior, dependendo de mais habilidade do que aquela que não pode dar ao marido um fruto, um prolongamento de sua própria personalidade, uma renovação constante de um precioso dom. E sem o complemento da maternidade, as lutas lhe parecem inúteis. Amam-se, sentem-se felizes de pertencerem um ao ouro, não se culpam, mas anseiam pelos filhos que não vêm. Por que o desejo de ter filhos pode ser respondido assim, com os versos de Rabindranath Tagore: "Estavas escondido no meu coração como um desejo dele, meu querido. Estavas nas bonecas dos brinquedos de infância, e todas as manhãs, quando eu fazia de argila a imagem do meu deus, era a ti que eu fazia e desfazia. Estavas no mesmo relicário do deus do nosso lar e ao adorá-lo, era a ti que eu adorava. Viveste em todas as minhas esperanças e em todos os meus amores, na minha vida, na vida de minha mãe. No regaço do Espírito imortal que rege o nosso lar foste nutrido durante séculos. Predileto do céu, irmão gémeo da luz da manhã, baixaste ao rio da vida deste mundo e ancoraste no meu coração". |
Por Yvonne Silveira - 15/4/2015 10:44:18 |
O CENTENÁRIO DE ADAIL SARMENTO O passado se renova em cores ao lembrarmo-nos de parentes e amigos que nele viveram e destacaram-se pela atuação na comunidade, servindo-a com o trabalho ou com a arte. Hoje, 3 de agosto, vem renovado o passo em acordes musicais da clarineta de Adail Sarmento, que estaria completando o centenário de nascimento. Na Banda de música Euterpe Montes-clarense, regida por Augusto Teixeira de Carvalho, a clarineta de Adail Sarmento tinha papel de importância, pois ele e Augustão, o regente, nasceram com a música no sangue, descendentes que eram de D. Eva Teixeira de Carvalho, a fundadora da Banda em 1856, que, seguindo pelos parentes, a tradição durou cem anos. Outros acordes ressoam também, nas lembranças, quando Adail tocava na Orquestra Carlos Gomes, ou no conjunto de Dulce Sarmento ao lado de Tonico Sarmento. Artur dos Anjos e Sebastião Mendes. O Ducho do bandolim. Além de executarem músicas religiosas, na Matriz, e profanas em festas de aniversários e casamentos, faziam um excelente programa acompanhando os filmes de cinema mudo. Adail Sarmento era filho de Maria Augusta Teixeira, descendente de D. Eva, e de Joaquim Sarmento Sobrinho, mas perdendo a mãe com um ano foi criado por D. Bilu. A família Sarmento era também de músicos e nós, mais velhos, não esquecemos dos saraus no chalé de Joaquim Sarmento e D.Afra, onde o piano não descansava sob os dedos de Dulce,famosa pianista na época, de Maria Afra,Zinha e Mariquinha. E lá compareciam Adail, Ducho, Tutu, que era Artur,sobrinho de D. Afra e Tonico de Naná. A música, porém, não dá muita oportunidade para ganhar dinheiro, assim, ela se tornou apenas o prazer de Adail que, para sustentar a família constituída com Maria Guimarães e acrescida dos filhos: Cleonice, que mais tarde se formou em freira com o nome de irmã Leila; Clarice; musicista; Geraldo Eduardo, economista e fazendeiro; e José Edmundo, engenheiro, o qual abriu um bar, chamado Bar e Café Sarmento, na Doutor Santos, onde vendia também loterias. Lá se reuniam amigos, que procuravam a convivência com o proprietário, muito amável, honesto e sério nos negócios. No lar ou em casa, Adail estava sempre lendo livros, jornais ou revistas e, como a música foi sempre a sua principal fonte de deleite, ouvia os grandes compositores, dando preferência a Beethoven e Wagner. |
Por Yvonne Silveira - 14/4/2015 15:03:43 |
BRASIL ARGENTINA (I) Trinta e dois passageiros dos sete aos setenta e sete anos, e mais o guia e dois motoristas, no Ônibus FABIANTUR, rumo a Buenos Aires. Apenas quatro casadas levavam os respectivos maridos. Oito estavam sós como as solteiras e as viúvas, ao todo treze. As quatro crianças completavam o pequeno mundo, dentro do carro, que duraria quinze dias. Comunidade casual, de alguns conhecidos e outros desconhecidos, mas ligados pelo mesmo objetivo, prontos a se auxiliarem, a repartir a alegria e a tristeza. Partida às dezesseis horas, com programa de televisão a bordo. Passou pelas ruas, pelos subúrbios, ganhou a estrada. A televisão deixou de funcionar, ficando só o enfeite, pelo resto da viagem. Chegou logo a noite. Veio o sono. Sono de pedra, que nem me deixou ver a cidade de São Paulo, atravessada de ponta a ponta. Pelo amanhecer é que pude apreciar as terras do decantado Estado, o "El Dorado" dos nordestinos; corridos da seca. Terras iguais às do sul de Minas que são mais férteis do que as do Norte só porque recebem chuva. O ônibus consumia a estrada de pouco movimento. Árvores, campos, casas, pontes, abismos. A vista descansa no verde. Céu muito azul, sol quente, calor, calor. Paradas nos restaurantes. Surgem os pinheirais do Paraná e as casas de madeira. Umas pintadas, apodrecendo pela falta de tinta. Casas de pobres. As orquídeas enfeitam umas e outras. O verde varia de tom, com as áreas extensas cultivadas. Cenas consecutivas na limitada tela do pára-brisa. Um êxtase novo para o viajante do Polígono das Secas. Curitiba é o primeiro ponto de pouso, depois de quinze horas de viagem, que deveriam ter sido dezoito, não fosse o bom tempo e a perícia dos motoristas. Hospedagem no Hotel Guaíra, na Praça Rui Barbosa, movimentada, arborizada. A Empresa não admite quarto individual e formam-se grupos de dois ou três. Lembrando Belo Horizonte, com a diferença de que é mais plana, mais arborizada e mais limpa Curitiba merece o apelido de "Cidade Sorriso". Em pleno centro da cidade uma grande área verde, o Passeio Público, praças ajardinadas, repuxos e ruas floridas dão a Curitiba um encanto peculiar. Parece mesmo que sorri limpa e refrescante. A Rua das Flores, nome popular da Rua XV de Novembro, é reservada a pedestres. Grandes bacias de madeira, cheias de vasos floridos, enfeitam a rua ao lado das cabines públicas de telefones, de plástico roxo, e das luminárias simplesmente lindas. Mesas de bar se espalham sob as árvores, onde um tipo diferente de brasileiro - mais forte, claro e mais bonito diverte calmamente. Vitrines artisticamente decoradas mostram a indústria brasileira em tecidos e confecções, que convidam às compras pela beleza e pelo bom gosto. No final da rua uma exposição de flores naturais e variadas completa o encanto do logradouro. Já estamos na Praça Generoso Marques, onde fica o Museu Paranaense, com um acervo histórico de peças, livros e obras de arte. Pena o tempo ser curto para se ver tanta coisa. Em outra praça, de que não me lembro o nome, um relógio de flores que marca as horas sem interrupção é o monumento do Governo Municipal ao funcionário público, reunindo gratidão e embelezamento urbanístico. Na falta de um guia fomos rodar de táxi pelas ruas e bairros residenciais, tendo Heloísa e Rodrigo como companheiros. Rebouças é o mais chique. As casas, na maioria de estilo normando, os jardins floridos, pinheiros e orquídeas tornando-os mais belos, os gradis baixos, provando que não há necessidade de se esconder de invasores, fazem dos bairros residenciais de Curitiba uma festa para os olhos ávidos de novidades. À noite, o primeiro jantar oferecido pelo FABIANTUR, na Churrascaria Pinheirão, situada no Bairro de Santa Felicidade, onde os italianos imigrantes começaram a construir a sua "Itália". Diva Toloso, o guia da excursão, explicou a razão do nome. Dona Felicidade, italiana rica e sem orgulho, destacou-se na caridade e amizade a todos os habitantes do bairro, pobres e ricos. Espécie de anjo bom, que ficou para sempre lembrado. O jantar foi o início da aproximação maior entre os excursionistas. Lúcia Stela completava mais um ano de vida, que foi bem comemorado. E lembramo-nos de Fernando Pessoa: "O florir do encontro casual Dos que hão sempre de ficar estranhos... As palavras de episódio trocadas Com o viajante episódico Na episódica viagem... Grandes mágoas de todas as coisas serem bocados Caminho sem fim..." No dia seguinte partimos para Porto Alegre. |
Por Yvonne Silveira - 9/4/2015 17:32:01 |
À PROCURA DO TEMPO PERDIDO E DA PAZ II À tarde fomos ao ponto crucial: Praça da Saudade, onde viveram os antepassados, há muito mais de cem anos. Ali foi o início do povoado, a mata cortada pelo Córrego de Vintém, uma fonte onde as pessoas lavavam as roupas. Muitos anos depois, passou a chamar-se Fonte da Saudade, lembrando o grande amor de Maria Tiana por João Luiz, forasteiro, à procura de lavras de ouro. Ela lhe deu esperanças, pois já tinha recolhido cascalhos, com pepitas de ouro. Junto ao poço foram ajuntando cascalho recolhido. Desesperado, João Luiz partiu, sem levar Maria Tiana, e esta, desesperada, ficou até a morte, depois do nascimento da filha, a qual pediu que batizassem com o nome de Maria Saudade. Recolhida por uma Família, Maria abandonou-a aos oito anos, vivendo a perambular sem destino, pelas ruas, e a cantar. E os conceicionenses passaram a chamá-la por Maria Doida, e com este nome ficou até morrer. Construída a praça, deram-lhe o nome de Praça da Saudade, na qual um dos irmãos do meu avô comprou o terreno onde existiram a fonte e o casebre de Maria Tiana. Construiu uma casa e o sítio. A fonte desapareceu, mas de uma bica corre água sem cessar. Deve ser a Fonte da Saudade, imaginei, quando lá estive pela primeira vez. O nome mudara para a "Chacrinha do Vovô", apelido do tio avô, que ali viveu com a família, até a morte. Os filhos casaram-se, mas três meninas ficaram solteiras, morando no sítio, que passou a ter o nome de "Chacrinha das Meninas", até mesmo terem oitenta e noventa anos. Emília, não conheci, Leta já estava em declínio, mas Nininha continuava forte e lépida, apesar de mais de oitenta, levando-me pelas ruas de altos e baixos, calçamento antigo, de pedras. Conheci igrejas, praças, mercado, lugares pitorescos, a casa do parente ilustre, José Aparecido de Oliveira, infelizmente, fechada. Encontramo-nos, depois, em uma reunião. E a casa dos avós, onde cresceram nossos pais? Na primeira visita, lá estava na Praça, do outro lado da "Chacrinha do Vovô", agora, o progresso levou-a, como todos, bem como as casas dos Costa Sena e do poeta Alphonsus de Guimarães, casado com a prima Zilah. As "meninas", também, partiram, e lá encontramos apenas Conceição, viúva de Deusdito, filho adotivo de Nininha, e em duas casas, mais modernas, as filhas casadas. No fundo da casa, os mesmos canteiros floridos, lindas rosas e cravos, e a fonte correndo a bica. Perdidos tios e primas. Deixamos a Chacrinha e a Praça da Saudade com a certeza de que é inútil à la recherche du temps perdu, como Proust verificou. Na manhã do dia seguinte, passeio pelo campo, mais rochas do que vegetação, visitas às igrejas barrocas, e à noite, ao paraíso de Said, filho de Tonica e Santiago, que lá já estavam com duas filhas e netos. Instalado em um sobrado antigo, Said, o primo artista de grande valor, com arte decorou o sobrado; antiguidades, nos móveis, mesas e paredes até no atelier, em que recupera imagens santas, envelhecidas, com pintura marchetada de partículas brilhantes, tornadas obras artísticas de beleza, muitas são adquiridas em várias cidades e capitais. Conversas, livros, jornais. E ei-nos a ver a passagem da última procissão do Jubileu,centenas, milhares de romeiros, velas acesas, estrelas na Terra, orando e cantando, contritos. Chegaram ao alto do Matozinho para as bênçãos e as despedidas. E, também eu, Frederico, motorista de Nilza, conduzindo o carro. Recebi a bênção e, em lágrimas, agradeci ao Bom Jesus a graça da paz. Na manhã seguinte, eis-nos de volta, descendo pelas curvas da rodovia da Serra do Cipó, extasiados com a bela paisagem das "Montanhas de Minas", cantadas pelo poeta Alphonsus de Guimarães. Ao longe, o veludo de tapete azul claro-escuro, conforme a incidência do Sol nos recôncavos pela vegetação, e rochosas, diante do esplendor da natureza, o medo desaparecia. Sãos e salvos - assim se diz - graças a Deus, chegamos ao sopé florido, água concorrendo, balneários, pousadas, restaurantes. Em Sete Lagoas, despedimo-nos. Nilza e Wilson, conduzidos por Frederico, seguiram para Belo Horizonte, Zaia e eu, no carro de Wallestein, prosseguimos por mais cinco horas, até chegarmos em casa. Com lágrimas, mas sem desespero, pela ausência querida, descansei. O tempo perdido, perdido está, mas a paz doada pelo Bom Jesus, durante o Jubileu, permanecerá. |
Por Yvonne Silveira - 3/4/2015 16:20:21 |
REENCONTRO COM O PASSADO Por que, meu Deus, só depois de tantos anos estava eu ali, aos pés daquele que me salvara a vida? Acreditar, com Nietzsche, que tudo sucede verdadeiramente como deveria suceder? Mas não era hora de Nietzsche. No momento, cabia-me exatamente negar o fatalismo, agradecendo a graça concedida pelo Senhor Bom Jesus de Matozinho. Cresci sabendo que lhe devia a vida, pois, com pouco mais de um ano, desenganada pelos três médicos da cidade, naquela época, fui curada, depois da promessa feita por meu pai de levar-me ao Santuário do Bom Jesus do Matozinho, com uma oferta de cera correspondente ao meu peso. Quanta coisa, porém, acontece na vida de cada um, para desviar-lhe dos propósitos e promessas feitas! Como os "descaminhos dos caminhos" nos levam a outros rumos! Os anos passaram-se. Não digo quantos nem como me transformei no decorrer deles. Mas o desejo de cumprir a promessa do meu pai permaneceu. Por sentimentalismo, ou porque não se pode arrancar do peito todas as raízes das sementes ali germinadas, demorei muito a realizá-lo, sim, por negligência ou porque só agora "deveria suceder". Mas realizava-o, finalmente. Ajoelhada, chorava pelos meus mortos e pelo que morrera dentro de mim. E agradeci. Agradeci mil vezes ao Cristo crucificado, representado naquela imagem. Crença, superstição, fé medieval, mito? Para que negar tudo naquela hora de reencontro? Por que não crer no mistério, nos desígnios de uma vontade criadora, do Deus que não tem passado da sua onisciência, fluir a vida de cada um, os fatos sucedendo-se como deveriam suceder? Leta, de oitenta e quatro anos, e Nininha de oitenta, assustaram-se com a visita fora de hora, mas ao saber de quem se tratava, tudo mudou. Era como se estivessem me esperando naquela hora. Abraçando-me muitas vezes, Nininha reclamava porque demorara tanto a chegar. Deixara que envelhecêssemos, quando me esperava menina e ela moça. Eu não tinha justificativa, e mais me entristecia por ter perdido tempo que me daria alegrias maiores. E ainda havia mais coisas para reclamar. Exatamente quando me dispusera a visitar a terra de meu pai, lá não encontrava o tio Adalberto que, tendo morado em Montes Claros, me vira nascer e crescer e também me esperava desde que para lá retornara. E o primo Frei Henrique, que não se esquece de você, que não sai daqui de casa, dizia Nininha, que alegria teria em vê-la e levá-la por toda parte. E Leta entrava na conversa: "Ferreira foi um grande poeta". Isto ela repetia sempre, sabendo que me agradava. Com o destino de ser gauche na vida, como Drummond, já previra que, por mais alegrias que eu tivesse no passeio, teria também tristezas. Em tudo há de ter desencontro, uma pedra. O melhor era esquecer. Esquecer para lembrar o que procurava. A presença do meu pai ali onde nascera e vivera até vinte e seis anos, menino ou rapaz andando pelas ruas de Conceição do Mato Dentro, fazendo serenatas naquela Praça da Saudade, onde fica a "Chacrinha", e onde ficava a casa de vovô Bernardino - Teté músico, carpinteiro, sapateiro, coletor, sei mais o que - e de vovó Guilhermina. Ela eu conhecera, minha grande amiga, que também morou muitos anos em Montes Claros. Só depois de passada a emoção e desabafo tiveram olhos para o Santuário. Eram quase vinte e uma horas e o sacristão, um preto já idoso, que nos abrira a porta, fez as explicações, em um bom português. Construído em 1935, o atual Santuário substitui o primitivo, conservando-se, porém, quase integralmente, o altar onde se encontra a imagem do Cristo Crucificado, em tamanho natural, vinda de Portugal em 1773, e venerada como Senhor Bom Jesus do Matozinho. Perguntei pela antiga imagem que a lenda conta ter sido encontrada por um escravo, num capão de mato, que dera origem ao culto do Bom Jesus. "Ah! Imagem viva, as que aparecem em um lugar por vontade própria, vão para Roma". Conversa encerrada, reparei melhor na beleza do barroco, contrastando com o estilo mourisco do Santuário. O trono não tem degraus. A cruz com o Cristo ocupa toda a sua altura e, aos seus pés, as imagens de Maria Santíssima, Madalena e João Evangelista completam o quadro do Calvário, que uma luz difusa e branca e a altitude e expressão das figuras dão a impressão de cena viva, parada por instantes no tempo e no espaço. Altares, laterais, murais representando cenas bíblicas, vitrais aumentam a beleza do templo. Na fachada, de cada lado da torre, uma reprodução da "Pietá", de Miguel Ângelo. O segundo encontro com o passado deu-se pouco depois, na "Chacrinha". A "Fonte da Saudade" (que bela é a sua história narrada pelo escritor Joaquim Ribeiro Costa no livro Conceição do Mato Dentro, Fonte da Saudade) fica dentro da pitoresca "Chacrinha", à frente da casa. E Leta: "Sua mãe brincou nesta fonte, quando veio aqui nos conhecer. Era uma criança. E tão linda". Com a memória falhando, repetia as informações. Insistia em falar de tio Carlos, que ninguém sabe se está vivo. Mas Nininha ia desfiando o passado, lúcida, inteligente, expressiva. Era a Nininha que eu aprendera a amar, através do meu pai. No dia seguinte, mais lépida do que eu, levou-nos pela cidade. Subimos e descemos ruas, conhecemos parentes, eu e o mano Lívio, meu companheiro de viagem: Utsh, Ferreira, Oliveira, por toda parte. E a cidade inteira sabe quem é a "menina". Nininha, quem é o tio Adalberto e Frei Henrique, pois não é ele o "Seu Vigário"? Cidade pequena e antiga, como todas as da época do ciclo do ouro, é Conceição, cidade culta, do melhor festival de música e de uma porcentagem insignificante de analfabetos. Deixava-a com saudades, depois de mais uma vez ter subido a colina do Matozinho para despedir-me do senhor Bom Jesus e de Frei Agatângelo, tão gentil havia sido conosco. Mas estava aprendido o caminho. Apesar das curvas perigosas da serra do Cipó, voltarei para, mais uma vez, sentir um passado que não vivi, mas que amo profundamente, por ser das minhas raízes. |
Por Yvonne Silveira - 31/3/2015 14:43:24 |
À procura do tempo perdido e da paz! Yvonne Silveira Eis-me de novo, após trinta anos, no Santuário Bom Jesus do Matozinho. Estou aos pés da imagem que a fé traz presente o próprio filho de Deus, para receber os pedidos de graças dos conceicionenses e de milhares de romeiros, que ocorrem ao Jubileu, esperando até milagres. Lágrimas correndo pela face cansada e envelhecida. Também eu suplicava: Dai-me paz, Bom Jesus. Dai-me aceitação desta passagem difícil de minha vida - longa vida que me destes, pois me curastes da enfermidade que os três médicos da antiga Montes Claros decretaram incurável. Primeira filha, com um ano de idade, meu pai, farmacêutico, já em desespero, recorreu a vós, recebendo logo a intuição: uma colher de água de meia em meia hora, até pararem os vômitos. E salvou-me, graças a vossa misericórdia. Anos depois, cumpri a promessa de visitar-vos e agradecer. E, agora,aqui estou, novamente, pedindo a saúde da alma doente, pela perda do companheiro de minha vida há oitenta anos. E repetia: salvai-me, Jesus, salvai-me... Contrita, mãos postas... e a graça fluindo, pelo poder da oração. A paz de Cristo, milagrosa paz, deu-me alento para aceitar a dor da pior perda, na sucessão de tantos anos. Era noite. No adro do santuário, romeiros e mais romeiros, até pelos inúmeros degraus do Alto do Matozinho - nome dado à colina desde o início do Jubileu, há mais de duzentos anos, oravam, suplicantes. Depois da celebração eucarística, descemos de carro pela rampa, eu, os irmãos Nilza e Wilson, o sobrinho Wallenstein e a prima Zaia, que ali estavam pela primeira vez. Centenas de barracas de venda de alimentos, bebidas, até o desnecessário, contornavam a colina, espalham-se pelas ruas e a tranquila e histórica Conceição do Mato Dentro que, por dez dias, agita-se, regorgita-se como grande centro comercial e turístico com inúmeros ônibus e carros pelas ruas. Encontrada a paz, na manhã seguinte saímos à la recheche du temps perdu, visitando a prima Tonica e Santiago, únicos parentes ainda ligados ao passado, pela convivência com nossos pais e tios, todos levados para o outro lado do mistério da criação. E fomos puxados a fio, ou passando o filme da memória. Os Utsh-Hermam, a mulher e três filhos vindos da Alemanha, para trabalharem na fábrica de fundição de ferro, do Intendente Câmara, no Morro do Pilar. O filho John Utsh, apaixonando-se por Maria Tereza, da aristocrática família Costa Sena, e impedido de casar por ser operário, o que não impediu de terem seis filhos, entre eles nosso avô Bernardino, casado com Guilhermina Ferreira Aguiar. Foram lembrados os filhos, Niquinho, nosso pai, e tia Cocota, de batismo Antônio e Maria, tio Dudu, Bernadino Júnior, pai de Zaia e tio Adalberto, pai de Laudelino, Lalá - o Frei Henrique, vigário da paróquia do Bom Jesus do Matozinho, por muitos anos. |
Por Yvonne Silveira - 24/3/2015 09:50:31 |
Montes Claros há mais de trinta anos Depois de muitos anos revia a coleção do "Montes Claros", um dos primeiros jornais de minha terra. Foi como se a visse pela primeira vez, pois na idade em que a conhecera não podia me interessar por uma antiga coleção de jornal. Por coincidência, o professor João Câmara soube que eu estava com a coleção e foi vê-la. E, ainda, por coincidência, chegou o redator-proprietário do jornal, Antônio Ferreira de Oliveira, meu pai. Os dois, virando as folhas amareladas pelo tempo, recordaram o passado cheio de lutas pelo progresso de Montes Claros que, naquela época, estava no início do seu desenvolvimento cultural e social. E recordaram, também, as lutas políticas que aquele jornal tão bem retratava. Interessante é que, ouvindo os dois, eu observava que o prof. João Câmara revivia o passado com entusiasmo, ao passo que, aquele que fora o proprietário do jornal, parecia um tanto indiferente. Talvez, aquelas lutas lhe tivessem deixado recordações amargas. Talvez lhe tivessem custado desilusões e desenganos. Ou, então, preferia deixar quieta no fundo do coração a lembrança da mocidade que não volta mais. Eu me entusiasmei em lugar dele. Parecia que aquele passado, deixado nas páginas de um jornal, havia sido vivido por mim e o recordava com orgulho, porque era a demonstração de que grande parte da mocidade havia sido empregada pelo bem coletivo. Sim. Aquele jornal era o meu passado e no entanto eu tinha dois anos quando ele apareceu. Hoje tomo os dois volumes e leio alguns artigos e poesias. Quem havia de pensar que o professor João Câmara, sob os pseudônimos de Leverrier e José Cainca, pudesse ser assim ferino em artigos políticos! Vendo-o agora tão calmo e alheio à política, nos admiramos do seu ardor na mocidade. Jazom Theos - Dr. José Tomaz - que pouco depois fundou a "Gazeta do Norte", escrevia do Rio as "Cartas Cariocas", comentando, com brilho, os acontecimentos da grande metrópole. Vinham do Rio, também, as crônicas repassadas de poesia, de um estudante de medicina que se escondia sob o pseudônimo de Bizane e que foi colhido pela morte antes de se formar. Os editoriais eram escritos pelo redator-proprietário ou pelo Dr. Olintho Martins. Bem pensados, bem escritos, defendiam os interesses da região ou comentavam os acontecimentos políticos. Do redator-proprietário, sob o pseudônimo de João Anselmo, leio ainda "Às quartas-feiras", comentário dos acontecimentos da semana. Também, o Dr. Marciano Alves Maurício fazia numa síntese dos fatos ocorridos: "Aqui,ali, acolá". Ao ler os versos e artigos de Eugênio Detalonde e as referências que o jornal lhe fazia, tenho a impressão de que era um desses jovens entusiastas, espírito empreendedor, que muito ajudou no desenvolvimento social de Montes Claros. |
Por Yvonne Silveira - 20/3/2015 10:27:58 |
Seresta em Montes Claros Noites de luar. Ruas silenciosas. Todos os habitantes da Vila das Formigas dormem. Súbito, as vozes dos seresteiros, acompanhadas pelos violões, violinos e flautas elevam-se, apaixonadas, em frente às janelas das jovens que lhes inspiram amor: "Amo-te muito como as flores amam...", ou daquelas que já os desprezam: "É a ti, flor do céu, que me refiro..." Modinhas... Onde e quando nasceram? Em Portugal, no final do século XVIII, dizem os portugueses. No Brasil, na mesma época, reivindicam os brasileiros. Não importa, e sim o objetivo de comunicar-se através do som associado à palavra, que é um aproveitamento da rica qualidade de linguagem, provocando emoção. O homem da pré-história já utilizava o canto para comunicar-se, sem palavras, mas compreensível. São conjecturas, pois só a partir da antiguidade, aparecem testemunhos do florescer do canto. Certo é que cantar foi sempre um prazer, e, como todas as nações humanas, o canto se desenvolveu, diversos gêneros surgiram, ritmos e melodias várias. Entre elas, a modinha que, pelo conteúdo sentimental, sem requintes literários e uma sucessão rítmica de sons musicais simples, expressando o amor, a saudade, a tristeza, a dor da separação, foi sempre admirada. Na Vila das Formigas, coadunando-se com a sociedade, principiante nos valores culturais, faz-se a modinha a preferida, talvez, também, porque era cantada de surpresa, pela madrugada. A Vila passou a cidade, desenvolvia-se comercialmente e já pensava na cultura, abrindo escolas, e a modinha continuou reinando, até 1917, quando chegou a luz elétrica. Ruas iluminadas acabaram com o sortilégio das serestas e dos seresteiros apaixonados que, no entanto, continuaram lembrados: Luiz Gregório, Tonico Faria, Tonho Mendonça, Antônio Carlos Prates, Elpídio César, Serafim Trindade, Sílvio Teixeira, José Maria Fernandes, autor da bela modinha "Serenata das Virgens", Hermenegildo Chaves - o Monzeca, posteriormente consagrado editorialista do "Estado de Minas,,) Hermenegildo Prates e João Chaves, o mais célebre pela composição de várias modinhas admiradas, especialmente "Amo-te Muito", cantada por todo o Brasil. Referência da nossa cidade. Outros seresteiros não estão registrados no livro: Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes, do nosso maior historiador Hermes de Paula, apenas os citados. |
Por Yvonne Silveira - 29/3/2013 10:36:41 |
Nasceste “...das manhãs gloriosas das bandeiras”, Montes Claros, pela determinação do bandeirante Antônio Gonçalves Figueira que, depois de ter abandonado a célebre bandeira do “Caçador de Esmeraldas” Fernão Dias e retornado a São Paulo, deduziu que no seu solo encontraria riquezas, com trabalho e pioneirismo. E ei-lo de volta, caçando índios, construindo fazendas, até obter a sesmaria de uma légua de largura por três de comprimento, que foi tua semente: a fazenda Montes Claros, na passagem das formigas de cima. Ergueu a rústica capela, plantou o cruzeiro, construiu casas. Era a sede. Desenvolveu a pecuária e abriu estradas para o transporte do gado: Rio São Francisco, Rio das Velhas, Bahia, Pitangui, Serro. Foi-se povoando o teu solo, transformando-se no maior centro comercial de gado, tua riqueza. Envelhecido, retorna o teu fundador para São Paulo. Deixa o filho que, sem a potencialidade do pai, vende-te para o Alferes José Lopes de Carvalho. Começas nova vida, na passagem das formigas de baixo, onde, na histórica Praça da Matriz, foi erguida a nova capela e construíram-se casas e casas. Forasteiros chegando, bem-vindos, para ajudarem-te. Fazenda Montes Claros, Arraial das Formigas. Arraial de Nossa Senhora da Conceição e São José das Formigas, Vila de Montes Claros de Formigas e, finalmente, eis o nome definitivo – Montes Claros, a importante e grandiosa cidade do Norte de Minas. Enquanto o tempo passava, construíras riquezas, casas, sobrados, capelas, a Igreja Matriz, substituindo a primeira capela, instituições e escolas de curso primário, mas ensinando até latim. Teus filhos e os que chegavam promoviam o teu crescimento com o trabalho e interesse de conhecimento. Chegou a Escola Normal em 1880, após 173 anos da sesmaria. Homens ilustres lá estudaram, lecionaram. Surgiram grêmios literários, poetas e prosadores, que se apresentavam nos jornaizinhos, Iniciava-se o crescimento cultural. Surge a imprensa, esta força poderosa da palavra, com o Dr. Antônio Augusto Velloso, depois desembargador. E o Correio do Norte é pioneiro para combater, divulgar, orientar e doar prazer estético com os poemas dos teus poetas que surgiram. Início do teu crescimento cultural, que hoje se manifesta com os nomes representativos nas artes plásticas, literárias e musical. Por todo o Brasil e exterior. Estão longe, no passado, os teus pioneiros, semeadores de idéias, plantadores de economia e comércio, faróis a iluminar o teu nascimento, porém, quantos, depois e hoje, consolidaram o teu progresso. Escolas, colégios, ginásios, faculdades, diversificando o conhecimento, a importante Universidade Estadual estendendo o saber e a cultura por vários espaços, o Conservatório de Música, despertando talentos, os clubes rotarianos, sociais, a Academia Montesclarense de Letras, o Elos Clube, Sociedade Rural, Associação Comercial e tantos outros, satisfazendo anseios, crescimento intelectual e cultural, prazer, convivência, caridade. E cresces, também, na fé, pois à sombra do cruzeiro nascente, desde os primórdios de tua vida, surgiram igrejas, capelas, até a bela Catedral de Nossa Senhora Aparecida. De paróquia chegas a bispado, arquidiocese e a fé vem preservando tua caminhada, não obstante o materialismo atual, com corrupção e miséria. Sacerdotes, bispos e arcebispos oram por ti. As mudanças do modo de pensar, de nova filosofia, de ciência instigadora são atitudes universais. És, hoje, Montes Claros, cidade pólo da região, pela economia, comércio, indústrias e cultura. Dos trilhos ligando arraiais e povoados surgiram estradas, o trem de ferro, depois o asfalto, os transportes à gasolina e os aviões. Políticos, escritores, poetas, jornalistas, articulistas, cronistas, empresários, industriais, comerciantes, legiões, no arco do tempo, deram-te nome, engradeceram-te. Salve pelos teus 152 anos! Salve, terra de cantores seresteiros! Salve, terra de tradições populares. Salve, minha amada Montes Claros! Cidade: Montes Claros/MG |
Por Yvonne Silveira - 27/2/2013 09:35:42 |
Montes Claros Yvonne Silveira As cidades, como as pessoas, nascem, crescem e morrem. A diferença está na longevidade. Nas pessoas, a vida é curta, passageira como os cometas, enquanto as cidades, como as estrelas, duram milênios. Com cento e cinqüenta anos, Montes Claros é jovem e bela, dançando no tempo, crescendo e enfeitando-se com a sabedoria e arte, depois do esforço árduo dos pioneiros para a estabilidade econômica e financeira. Na educação, foram surgindo escolas, depois faculdade, a primeira tornando-se nossa Universidade, referência para a formação profissional, imprescindível no contexto do crescimento. São elas as mais altas expressões do saber, nesta jovem urbis de cento e cinqüenta anos e delas têm surgido artistas notáveis na Música, Pintura, na Dança, no Teatro, que se aliam aos de outra formação e brilham nas vestes da jovem e predestinada Montes Claros. A literatura, pelo poder da palavra, é arte imprescindível para o crescimento dos cidadãos que enformam a cidade. Projetada, internacionalmente, com Cyro dos Anjos, contando com outros poetas e prosadores de valor indiscutível, vários pertencentes à Academia Montesclarense de Letras, outra referência cultural, a literatura montes-clarense cresce, principalmente na crônica memorialista, “quase história”. Governantes, políticos, administradores, empresários, instituições. Comerciantes, profissionais, operários têm impulsionado o crescimento desta, surgida de uma fazenda, há trezentos anos uma vila e há cento e cinqüenta uma cidade altaneira e primeira do norte de Minas. E, se arte literária, cujo barro é a palavra, para o artesão escritor, é importante, esta mesma palavra, arma poderosa para construir e destruir, é a mais poderosa para a consolidação do poder. E ela tem sido assim, para nossa cidade. Vindo, quase com o seu nascimento, com o Correio do Norte, a imprensa montes-clarense vem colaborando com o progresso, abrindo horizontes, aplaudindo, criticando alertando e divulgando as realizações, em todos os setores, mostrando a pujança jovem mais formosa do sertão, estrela iluminando o sucesso. Ao lado está a imprensa falada, inicialmente, com a força ZYD-7, hoje, com tantas outras e a televisão, força poderosa. Da imprensa escrita e falada, nomes de valor surgiram e permanecem indeléveis na história. Para o lazer, o colunismo social é indispensável, para os combativos construtores do progresso, amenizando o viver, alegrando e, também colaborando na divulgação do crescimento da Montes Claros polivalente como todas as cidades e como todo ser humano. Quantos anos viverás ainda, ó Montes Claros, terra do meu nascer, onde cresci e onde vejo fechar-se o círculo? Quantas glórias ainda terás? Quantos nomes ficarão ainda na tua história? Ainda, ainda reinarás, eu sei e pressinto, porque, com o meu amor, outros amores surgirão para tornar-te mais bela, mais pujante e chegares aos duzentos, trezentos, mil anos... |
Por Yvonne Silveira - 14/2/2013 17:36:43 |
As comemorações do centenário Yvonne Silveira Apesar de residir a apenas sessenta quilômetros de Montes Claros, passo ate quatro meses sem ver a terra, os amigos e os parentes. E como as cartas que os irmãos escrevem, de vez em quando, só trazem noticias da família, os jornais - que valor possuem para nos! - são a única fonte de contato semanal com o pedaço de chão querido. Mesmo neste ano do centenário, somente agora, abril, fui ver o movimento e matar a curiosidade de saber em que consistirão as festas. Bem entendido que apenas para satisfação pessoal, pois para os dirigentes tanto faz que a humilde cronista saiba ou não do que se passa, nada irá fazer de especial. Mas algum montes-clarense pode dominar o próprio bairrismo? Foi ele que provocou a tal curiosidade de saber se tudo vai bem encaminhado - como se a Comissão Organizadora não fosse a melhor possível - para, afinal, fazer também uma propagandazinha. E quando se tem amizades arranja-se facilmente o que interessa. No "Gazeta do Norte", o Sr. L. Pimenta, com a gentileza dos cronistas sociais, e com a que lhe é inata, deu-me as informações pedidas, pois faz parte também da Comissão Central dos Festejos do Centenário, ficando satisfeita a minha curiosidade. Pude assim ter certeza de que as comemorações do Centenário serão dignas do nome de nossa terra. No dia 3 de julho - exatamente quando a cidade completara cem anos - realizar-se-ão as solenidades principais: Missa solene, sessão cívica, parada cívico-histórica, inauguração do Parque de Exposição Agro-Pecuária Industrial, banquete, baile de gala e coroação da Rainha do Algodão. Nos dias seguintes, até 10, haverá espetáculos teatrais, "shows" públicos, de artistas comandados por Paulo Roberto, - o dr. Marques, muitos fogos, campeonatos esportivos etc. De modo que, durante uma semana, montes-clarenses e visitantes terão muito que admirar e muito com que se divertir, ao recordarem os cem anos da mais progressista cidade do norte de Minas. O velho amigo Juca Prates disse-me que o inventor do Centenário — dr. Hermes de Paula — ajudou mais Montes Claros com a dita invenção do que muitos outros, pois o que, aparentemente, pode parecer simples motivo de festas, trará em realidade vários benefícios, tais como: impulso rapido nos serviços públicos, melhoramento do aspecto urbano, movimentação do comercio e industrias, oportunidade especial para melhor conhecimento das possibilidades do município e muito outros. Portanto, é do interesse de todos a cooperação e boa vontade para conseguirem o máximo de proveito. A manutenção da limpeza da cidade, também, não vai depender somente da administração mas, em grande parte, dos habitantes. Todos estão vendo que a administração do Sr. Geraldo Athayde será excepcional. Em cinco meses terá que realizar mais do que outros em quatro anos, forçado e ajudado pelas comemorações do Centenário. As verbas extraordinárias e a contribuição dos particulares que, em circunstâncias comuns, não seriam conseguidas, facilmente, darão ao atual prefeito a oportunidade de fazer administração brilhante, ligando o seu nome a um importante acontecimento histórico. E se os benefícios serão para o povo, é natural que todos, sem distinção de classe, colaborem de boa vontade para que haja muita ordem, revelando os montes-clarenses educação e nobreza de sentimentos para que, acima da ostentação material, ressalte o bom nome da nossa terra, como cidade que progride em todos os setores. |
Por Yvonne Silveira - 1/6/2009 14:49:57 |
Envelhecemos, Rosita Yvonne Silveira Envelhecemos. Você, um pouco menos e, nesta data significativa dos noventas anos, vejo-a, na tela do relembrar, com a mesma alegria, a voz tranqüila, segurança na arte de ensinar, transmitindo exemplos e conhecimentos. Estávamos na maturidade, em pleno saber. Pois só os contínuos estudos, por dias e dias, preparam o domínio da língua portuguesa para transmiti-la aos jovens alunos, bons alunos, na maioria, daqueles distantes dias da Escola Normal. Turmas de trinta e cinco alunos, tínhamos cinco marcadas pelas letras do alfabeto. De uma sala, passávamos para outra. Pequeno intervalo, para um lanche, comentários. Amizades estreitavam-se. Volta as aulas e, finalmente, 11h30, retorno ao lar. Correção de provas e exercícios, até pela madrugada. Nada de reclamações ou cansaço. A receptividade dos alunos, a amizade, o respeito, a confiança em nós, compensavam a labuta. D. Rosita é excelente professora, diziam, e ai de quem ousasse negar. Walkiria, sua filha, que era minha aluna protestava: Minha mãe é a maior autoridade em língua portuguesa. Ninguém sabe mais do que ela. E você, intimamente agradecida, reclamava: Você me enche de vergonha. Não diga isto. Era próprio da estabanada, mas inteligente e sincera Walquiria, Theago, Cláudio e Virgínia, educados, também, eram meus alunos. Como era agradável o nosso viver, na profissão. O arco do tempo foi-se alargando, crescendo. Aposentadoria, vitórias com a família,outras lides, lazer. E ei-nos a aproximar do limiar do túnel. Perdemos os companheiros – o amor maior... Você bem antes, eu, agora, ferida aberta, lágrimas sem fim, a lembrar das reflexões de Bassuet em “Tout nos Apelle a la Mort”: Qu’est-se donc que ma substance, ó grand Dieu? J’entre dans l avie pour sortir bientôt. Je viens me montrear comme lês autres; après il faudra disparaite. (...) Ó Dieu, encore une fois, qu’est-ce que de nous?” E é desencantada que vejo passar os dias, razão da ausênica a festa de celebração dos noventa anos, com os filhos, os netos, os parentes, os amigos. Compartilho, porém, da sua alegria, Rosita, vendo-a, não marcada pelos anos vividos e, sim, com a mesma suave beleza de quem sabe doar amor, com a mesma ternura de mãe e amiga, com a mesma fortaleza daqueles dias em que trabalhávamos como jovens, mas com a sabedoria dos amadurecidos, você, eficiente e responsável, como lago, sem ondas do mar, de arrebatamentos viscerais. Simplesmente, a querida mestra Rosita. Parabéns e o abraço de felicidades da colega e amiga. (A professora Yvonne Silveira, de 96 anos, é presidente da Academia Montesclarense de Letras. Foi, durante décadas, professora de português, na antiga Escola Normal Oficial. É escritora, com vários livros publicados. Nascida em Francisco Sá, é um dos maiores nomes da história de Montes Claros. Participa, ativa e alegremente, de todas as atividades às quais é chamada, numa permanente disponibilidade que encanta a todos) |
Por Yvonne Silveira - 17/5/2009 08:57:12 |
Yvonne Silveira UM RARO TIPO DE EXPLORADOR - Uma esmola, dona, pelo amor de Deus. Ia virando a esquina, ao retornar do mercado. E eis o gesto e a súplica humildes com que nos deparamos sempre, e que, por comodidade, dizemos não terem solução (Sempre haverá pobres em vós), sabendo, entretanto, que resultam das estruturas sociais, organizadas pela ambição dos homens. Daí a afirmação de Cristo que alcançava não só a sua época como séculos e séculos à frente. O monstrengo me olhava – olhar também humilde – com os olhos esbugalhados, a boca meio torta, rosto encovado, para onde caiam, saindo de um chapéu rasgado, os cabelos sujos. As roupas também sujas e estragadas cobriam um corpo pequeno e corcunda, que um grande saco curvava mais ainda. Não pude falar, nem fazer um gesto, nem mesmo pensar se ajudaria o meu próximo, tão desprotegido da sorte, pois uma voz atrás de mim, quase autoritária, disse, assim que o mendigo fez o pedido: - Não dá esmola, não, dona, ele não precisa de esmola. Virei-me. Um homem alto, magro, simpático, com uma sacola na mão, era o dono da voz autoritária. O mendigo continuava a olhar-me, humildemente, explorando o meu espanto, mesclado de piedade. - Vai andando, continuou o outro, ocê não precisa de esmola. Ele saiu capengando. Olhei-o ainda. Os passantes davam-se esbarros. Recomecei a andar. E o tal ao meu lado. Pelas roupas, pelo jeito e fala, via-se que era um caipira, digo-o sem intenção pejorativa, mas, desconhecido, tratei-o cerimoniosamente: - O senhor conhece aquele mendigo? - Qui mendigo! Conheço, dona, ele é rico. - Rico?!!! Não creio. Não posso crer. - É sim, é rico. Tem muitas casa, um barracão no Alto São João. - Não entendo... E como conseguiu as casa de que está falando? - Com esmola. Fez uma, alugou. Foi fazendo mais. Hoje ta rico. E tem muié bunita e nova, que explora ele. Vive pintando com a rapaziada e ele nem incomoda. - É certo o que me diz? Sabe onde ele mora? - Sabê não sei, mais todo mundo conhece ele e diz que é rico. Chegamos à Padaria Marília, onde precisava fazer compras. Despedi-me do informante, que seguiu seu caminho e me deixou confusa. Lembrei-me de Os Mendigos de Paris (não me lembro do autor), e de tantos outros casos noticiados pelos jornais. Podia ser verdade. Devia ser. E a mulher bonita, dormiria com aquele homem? Ou ele era apenas um servo apaixonado que se contentava em viver ao lado da amada, sustentando-a, sem nada receber? O certo é que precisava de alguém para que sua vida tivesse sentido. Ele, arremedo de gente, que em outro país seria exterminado, devia até se sentir feliz em servir uma mulher, e, por ser bonita. Poderia ter pedido maiores informações ao zeloso cidadão que me impediria de dar esmola a um falso mendigo. Bem. Depois daria um jeito de saber a verdade. Por muitos dias pensei no fato, por fim, me esqueci. Falta de tempo para investigar. Outros afazes. Domingo último, passei pelo Alto São João, à tarde, e vi um indivíduo tal qual o falso mendigo, apenas limpo sem o saco de esmolas às costas. Como não guardo as fisionomias a não ser depois de repetidos encontros, fiquei na dúvida, e não quis abordá-lo. E pra quê? A realidade é que o falso mendigo que eu encontrara há meses, era deserdado da sorte, tipo de retardado, de nascimento ou em conseqüência de alguma doença, meningite ou meningoencefalite, ou mesmo congestão, sei lá. Para sobreviver teve de pedir esmolas. O retardamento não o tornou um idiota completo. Assim, ajuntou dinheiro com o produto das esmolas, construiu casas, aumentou o capital, comprou mulher bonita. Por outro caminho, fez o mesmo que a maioria dos normais faz; explorar o próximo. É só analisar como são feitas fortunas, como funcionam as sociedades, as máquinas de poderio econômico. Repugna-nos a hipocrisia de um falso mendigo que tira um pouquinho do nosso dinheiro, estendendo a mão e pedindo pelo amor de Deus. Mas não podemos sentir repugnância pelo outro, ou melhor, pelos outros, que seduzem, destroem, exploram e matam, monstregos morais, porém, fisicamente perfeitos ou quase perfeitos. Estão entre nós e pelo mundo todo. Muitos odiando o Cristo e milhares dizendo-se amigos de Cristo, e em seu nome pregando Amor. “Cest la vie”, canta Greg Lake, num disso, ao meu lado. (A professora Yvonne Silveira, de 96 anos, é presidente da Academia Montesclarense de Letras. Foi, durante décadas, professora de português, na antiga Escola Normal Oficial. É escritora, com vários livros publicados. Nascida em Francisco Sá, é um dos maiores nomes da história de Montes Claros. Participa, ativa e alegremente, de todas as atividades às quais é chamada, numa permanente disponibilidade que encanta a todos) |
Por Yvonne Silveira - 9/5/2009 09:58:40 |
Um Amanhecer O sol ainda se esconde por trás da serra. Sua claridade, porém, ilumina o céu, que se colore de intenso vermelho-dourado e oferece o primeiro painel: abstracionismo. A luz ainda brilha na copa das árvores, que se espalham pelos campos e brinca no lusco-fusco do amanhecer, acordando os pássaros: bucolismo. Da janela, contemplo a beleza da chegada de mais um dia de vida. O céu infinito, inescrutável, onde localizamos a morada do Deus Criador, apenas porque sentimos necessidade de localizá-la, mas sabemo-la ignorada; a serra de veludo azul escuro recortando o horizonte em linha irregular; a pastagem verde perdendo-se ao longe; as árvores acompanhando o leito do rio, marcando-o... Meu olhar, encantando, vai das árvores à serra, da serra do céu. E volta, pesquisando, à procura dos pormenores que formam o lindo quadro pictórico. E descobre, ao pé da janela, na roseira silvestre, pequena gota de orvalho. Tão insignificante, tão pequenina e humilde, comparada aos entes que pintam a paisagem e deslumbram-se, no entanto, infinitamente mais bela, quimericamente mais preciosa. Brilha com os reflexos do sol, que já se alteia, no horizonte. Treme. Dança, na folha, o estojo verde. Sinto medo de que chegue a brisa balançando-o e destruindo o meu brilhante. Desejo que o sol fique onde está, para não secar meu talismã. E que a brisa passe longe. E que os pássaros se calem. E que o meu brilhante, feito pela noite, na roseira silvestre, permaneça ali, presente divino enviado, para envolver-me em fantasias. E tudo brilha. Ofusca-se. Sonhos. Pedaços da vida. Mágoas. Dores. Malogros. A gota de orvalho, diamante efêmero, símbolo de força, poder, fortuna, fugazes e inúteis desejos... As gotas das lágrimas não são gotas de orvalho. Não brilham com os raios do sol que sai detrás da serra. Juntam-se ao meu brilhante. Tremem, tremem e caem na terra seca. Exauriu-se o encanto do amanhecer. O pincel de fantasia, desiludido, rouba o quadro bucólico, leva para longe o brilhante dos sonhos. É chegado mais um dia do viver... (A professora Yvonne Silveira, de 96 anos, é presidente da Academia Montesclarense de Letras. Foi, durante décadas, professora de português, na antiga Escola Normal Oficial. É escritora, com vários livros publicados. Nascida em Francisco Sá, é um dos maiores nomes da história de Montes Claros. Participa, ativa e alegremente, de todas as atividades às quais é chamada, numa permanente disponibilidade que encanta a todos). |
Por Yvonne Silveira - 25/4/2009 09:11:28 |
DESTINO OU CASTIGO? Aos três anos, Tino era como todos os meninos de três anos. Falava errado, era curioso, fazia birras e brincava. Carretéis, sabugos, pedrinhas e cabos de vassouras, eram os brinquedos que a vida lhe dava, pois outros não podia ter. A diferença de Tino para as outras crianças de sua idade era uma tristeza de que ninguém sabia a causa. Pois decerto não entendia por que sua mãe vestia como a mulher dos funcionários mais graduados da Prefeitura, sendo seu pai apenas carroceiro. Nem por que ele saía tanto de casa. Nem por que os dois brigavam. Ouvia os insultos, os gritos e também não entendia por que se desentendiam. Tino encolhia-se a um canto, chorava baixinho. Se mamãe estava bem ou mal vestida, não sabia. Mas que era bonita e alegre, sabia. E quando voltava a calma, sorria com aquele sorriso triste. Moravam do outro lado do rio, numa casa perto do Matadouro da Prefeitura. Lá, o gado era abatido para os açougues. Tiago levava as postas de carne na carroça, forrada de ramos verdes de árvores, a mesma que apanhava o lixo das ruas. Depois do almoço Tino ia dormi. O pai ia para a Prefeitura, para o trabalho, a mãe ia para o rio lavar as vasilhas e alguma roupa. Quando Tino acordava, descia o trilho estreito de juntava-se à mãe. Brincava com as pedrinhas da beira do rio, perseguia lagartixas, parava para ouvir os passarinhos, extasiava-se com os soins. E ficava pensativo. Triste como gente grande que é infeliz. Naquele dia, pouco antes da data das eleições, época propícia para certo tipo de mulheres explorar os candidatos, Belisa não foi lavar roupa nem vasilha no rio. Mal Tiago saiu, trancou a porta da frente, cerrou a dos fundos. E partiu para encontro. Mais tarde, Tino acordou e desceu o trilho estreito até o rio. Olhou para um lado e para o outro. Chorou baixinho. Chorou mais alto. Um enxadeiro que limpava a roça de milho, um pouco mais acima, ouviu o choro sentido. Menino chora à toa. Continuou batendo a enxada, na terra seca. O choro parou. A mãe entrou em casa: “Tino! O diabinho deve ter ido pro rio. Tiino! Tiiiino!” Só a carinha de Tino estava dentro do rio. As formigas passeavam no seu corpo e ele não chorava. ‘Tino! Tino!’ Sacudiu as formigas. Virou o corpinho frio. Carregou-o e subiu o trilho a gritar: ‘Eu sou uma desgraçada! Eu sou uma infeliz! Eu sou uma desgraçada!’ A cidade inteira foi ver o anjinho morto, o filho de Belisa, a mulher bonita que seduzia os maridos das outras. Foi para censurar, acusar silenciosamente, ou em sussurros. Mãe desnaturada. Foi castigo. Está pagando. Ninguém refletia que os dias já estão contados nos céus e que os de Tino eram curtos. Tantas crianças já morreram e continuariam morrendo de desastres, crianças de mães santas e de mães pecadoras. O próprio nascimento de Cristo não exigiu o sacrifício de muitas crianças, para que se cumprissem as profecias? Ninguém refletia. As circunstâncias da morte Tino tornavam a mãe culpada, criminosa, execrada, indigna de compaixão, apesar daquela dor desatinada, que se manifestava em lamentações: ‘Sou uma desgraçada! Desgraçada!’ Desgraçada mesmo, repetiam no íntimo as mulheres traídas. E não adianta chorar. É nisto que dá, viver atrás dos maridos da gente. Vingavam-se todas as Belisa, mulher bonita, sedutora, de riso largo como as ancas, balançando na saia justa, quando ia à cidade. Agora estava ali, descabelada, arrasada, desgraçada mesmo. E o marido, sem dizer palavra, sem nada ouvir, olhava o chão. Tino foi para o cemitério em um caixão azul, com acompanhamento maior do que o de um morto rico. A mãe foi, também, gritando, culpando-se. A multidão a pé – pois até hoje, na cidade onde ocorreu o falto, não se usa enterro de carro – seguia o caixãozinho azul, do morto, símbolo do castigo para os puritanos de todos os tempos, que não se cansam de atirar pedras. A partir de então a mãe foi ficando cada vez mais triste. Dois anos depois, morreu. (A professora Yvonne Silveira, de 96 anos, é presidente da Academia Montesclarense de Letras. Foi, durante décadas, professora de português, na antiga Escola Normal Oficial. É escritora, com vários livros publicados. Nascida em Francisco Sá, é um dos maiores nomes da história de Montes Claros. Participa, ativa e alegremente, de todas as atividades às quais é chamada, numa permanente disponibilidade que encanta a todos). |
Por Yvonne Silveira - 23/4/2009 10:43:15 |
O ELEITO Yvonne Silveira Está longe, na sucessão dos dias, o teu belo e jovem rosto que me despertou os sonhos de amor. Cativa tornei-me e viajei contigo do nascer ao pôr-do-sol, em longo acontecer. Auroras de esperanças, ocasos de desencantos, passo e par, pela rota do viver tão branda, às vezes, tão cheia de estorvos,sempre. Dias de sol floresciam os lírios da fantasia, a esperança de união perfeita crescia em frêmitos de amor. Mas vinham as sombras, o sol se escondia e fantasmas desfilavam: ciúmes, incertezas, desanimando, o amor enrugando, o amplexo dos corpos e das almas afrouxando. Porém, foste o eleito e, mesmo sangrando os pés, nas pedras do desamor, passageiro, seguimos triunfantes. Os dias, gastando a vida, foram levando teu belo e jovem rosto de aurora. o sol da tarde entra pela janela dos sonhos Que se enrolam, vagarosamente... Sei ó eleito, que vem chegando a noite, o cansaço faz dormir as estrelas do teu rosto de aurora, já não sonhas, não vês. Seguro-te as mãos, prendo-as com afagos de seda... Em breve se desatarão, sem que possas levar as lembranças dos dias de sol, das flores de tua poesia em lindos versos a cantar-me a beleza que só tu vias e sempre verei o teu rosto de aurora... a canção da saudade aproxima-se pelas ondas douradas do amor que não morre, e tu, ó eleito, ó amado virás de novo segurar-me as maõs o teu jovem rosto de aurora, belo rosto de aurora, conduzindo-me para a mansão do mistério, onde eternamente viverá o nosso ínvio e inviolável amor ELEGIA PARA ELEITO Yvonne Silveira Sem prenúncio de dor ou de cansaço sequer mal-estar, um só leve traço chega o irreversível. E levaram-te. Inútil tentativa de mais dias doar à longa vida, ou amenisar tua alma ferida. Dexei-te ir. E na noite cruel, interminável, súplicas e lágrima se perderam. -Não me deixes sozinho,- eu ouvia, no desespero do medo. Mentira. Pedido constante que tu fazias, enquanto eu lidava durante os dias. -Aqui estou, jamais te deixarei. E dexei-te sozinho. No pior momento do teu viver. Não me ouviste a voz, não sentiste o beijo, que no rosto agonizante terias. O inútil pranto, ó vã esperança. O sol levou a noite, o dia se fez E tu voltas. Rosto lívido, o belo rosto de outrora, inesquecível rosto de aurora, com as azougues do tempo envelhecido, junto ao meu, nesse andar pelo caminho percorrido, sempre, de braços dados... em que agora se soltavam. Ó, o caminho de flores sorrindo, de espinhos, de pedras, rolando frias. Onde estão as angélicas Silvestres? Os beijos roubados, ao sol morrendo? Inicío do longo e belo caminho, de vitórias, derrotas e amor, em que com lutas, sonhos realizamos o ideal de sevir, doar, fazer. Oitenta anos! Soltaram-se os laços. E tu, primeiro, (querias) – alcança o túnel da luz. Na casa vazia, vive a presença Tranquilo, quieto e sem andar, sem ver o sol brilhar na madrugada, com o alegre cantar da passarada, mudo para os teus ouvidos, sem queixar. Somente a voz. Palavras de afeto, carinho e amor. (Maria Luíza, neta querida, E tu Pedro, razões do meu viver - Boa esposa que Deus me enviou). Muda estava a alma do meu poeta. Tantos versos me fez, de grande amor. Como contou a vida, a Natureza, meditando os mistérios, a beleza. Volta!volta! Em desespero peço, mas a terra Que envolve teu corpo, não se abrirá. “ Nesse jogo não se ganha a vida”- Disseste, mas sabes que a ela irei. Espera, ó amado! Na mesma vaga estarei contigo, almas lado a lado, pelos caminhos do céu. Mensagem N° 45571 (A professora Yvonne Silveira, de 96 anos, é presidente da Academia Montesclarense de Letras. Foi, durante décadas, professora de português, na antiga Escola Normal Oficial. É escritora, com vários livros publicados. Nascida em Francisco Sá, é um dos maiores nomes da história de Montes Claros. Participa, ativa e alegremente, de todas as atividades às quais é chamada, numa permanente disponibilidade que encanta a todos). |
Por Yvonne Silveira - 18/4/2009 09:39:52 |
A Glória de Godofredo Beto Guedes levou-nos a participar, pela primeira vez, de um público, predominantemente jovem, no Darcy Ribeiro. Os assistentes se comprimiam nas arquibancadas e no chão de cimento, massa ansiosa por aplaudir o artista da terra em ascensão nacional, com os discos já gravados e a trilha sonora da novela Marina. Admiração pela arte de Beto Guedes, curiosidade e mesmo o fato de ser o filho de Godofredo Guedes, levaram ao Ginásio Darcy Ribeiro a multidão que aplaudiu pai e filho, confirmando o sucesso deste, nos grandes centros, e glorificando o velho e perseverante artista. A apresentação, marcada para as vinte horas, foi atrasada por defeito no aparelho de som. A fumaça dos cigarros poluía o recinto e a reação, para evitar o cansaço da espera nas bancadas e chão duros, se fez com gritos, palmas e coros improvisados, com as composições do artista. Finalmente, tudo pronto. Mas, em vez de Beto Guedes, apresentou-se o Grupo Céu e Terra, ‘como aperitivo’, segundo o locutor, executando três números muito bem, como sempre, mas retardando o esperado ‘show’. Passava das dez quando, finalmente, apareceu o vitorioso cantor, sob aplausos e gritos. E sempre aplaudindo à sua maneira, os jovens ouviram três números de Beto Guedes que, ao terminar, anunciou a apresentação de ‘um amigo muito querido’: Godofredo Guedes. Emocionante o momento. Godofredo, em perfeita execução de clarineta, fez o público vibrar, acompanhando-o cantando as letras das composições ‘Casinha de Palha’ e ‘Cantar’, já do domínio de todos. Foram sucesso tanto quanto as composições de Beto. - Godô! Godô! Mais um! Mais um! – gritavam todos em uníssono. Beto, que também apresentava composições do pai, abraçou-o, feliz. Ali não estava um rival, mas aquele a quem deve o talento, pela força da hereditariedade. Aquele a quem ama pela dedicação à família e à Arte, ao longo dos anos. E, principalmente, aquele que alcançava a glória através dele, Beto, o filho. A apresentação continuou com o repertório dos recentes sucessos. Artista inserido na época, ritmo e letra ao gosto da juventude moderna, canta, também como exige o momento. Nada de voz possante, modulada, empostada. Voz natural, mais para contrato. E voz, letra e melodia, em perfeita consonância com a nova modalidade de comunicar-se através da Arte, da maneira simples, sem grandes voos, nem sofisticações, nem pieguismos sentimentais. É, claro que ele fala dos próprios sentimentos, mas com economia metáforas e até de palavras. ‘Gabriel’, por exemplo, composta para o filho, toca por esta simplicidade. E assim são todas as composições de Beto Guedes. Se o seu gênero não é para nós, mais velhos, não se pode negar que, realmente, é representante autêntico da música moderna, criativo e com grande força de expressão. Como o pai, é outro artista de sete instrumentos, o que lhe oferece maiores oportunidades. A vibração do público em aplausos, também de acordo com a época, testemunhava o sucesso de Beto Guedes e confirmava a consagração obtida nos grandes centros. Não obstante o entusiasmo, às vinte e três horas, o ginásio começou esvasiar-se. Dançando, aplaudindo, alguns com as namoradas nos ombros, iam saindo. Os seios de Fafá de Belém estavam à espera, no Parque de Exposições, falando outra linguagem, mas eloqüente do que a de Beto Guedes... (A professora Yvonne Silveira, de 96 anos, é presidente da Academia Montesclarense de Letras. Foi, durante décadas, professora de português, na antiga Escola Normal Oficial. É escritora, com vários livros publicados. Nascida em Francisco Sá, é um dos maiores nomes da história de Montes Claros. Participa, ativa e alegremente, de todas as atividades às quais é chamada, numa permanente disponibilidade que encanta a todos). |
Por Yvonne Silveira - 27/3/2009 15:52:49 |
FELICIDADE DE MÃE Yvonne Silveira Entre os muitos convites de formatura que nos chegaram, de ex-alunos e de filhos de amigos, quero destacar três, de curso superior, para homenagear a mãe dos formandos, que é quem, realmente, alcança a vitória, e reviver a figura boa e simples do pai. Ela, Maria. E ele, Ataliba Machado. Viveram os dois unidos pelo amor e pelo desejo de vencer. Este desejo, muito natural em todo ser humano, toma, às vezes, aspecto pungente, quando a luta é contra vários obstáculos. Era o caso de Maria e Ataliba. Lutavam para sustentar os filhos. Lutavam para encaminhá-los ao curso superior. Lutavam para mantê-los na sociedade, superando o problema de cor. E ainda lutavam pela sobrevivência da revista Montes Claros em Foco. Ponho no plural porque sei que Maria fazia tanto empenho enquanto Ataliba para que a revista saísse regularmente, o que jamais conseguiram. É natural que a paixão de Ataliba fosse maior. Paixão de namorado, que lhe custava caro, pois revista do interior do Estado, com todos os defeitos do jornalismo improvisado, não dá lucro financeiro. Ataliba, porém, insistia. Assim que mudamos para Montes Claros pediu-nos maior ajuda. E nós, também, improvisados escreventes, gratuitamente o ajudamos até o final. Em 1967 Ataliba morreu, e com ele Montes Claros em Foco, da qual fora o fundador, o diretor e o mantenedor. Embora criticada por muitos, valeu a pena a publicação de vários números, que projetaram Montes Claros, marcando-lhe uma época e tornando-se um documentário para a sua história. Valeu a pena, também, porque constituiu uma realização pessoal para o seu fundador, ficando a sua perseverança na luta como exemplo para os filhos. Morto Ataliba, deixando quase todos os filhos menores, dobrou o encargo de Maria, ainda mais por não desistir do propósito de ambos de levar os filhos à conquista de um diploma de curso superior. Mudou-se para Belo Horizonte, onde encontraria mais facilidades, principalmente para Mirtes, surda-muda. Além de costurar para ajudar na manutenção da casa, tornou-se a cozinheira, a lavadeira e a passadeira de todos, com cooperação dedicada da cunhada. Esgotando-se fisicamente, sempre se sentiu feliz por ver a cada ano uma etapa vencida. Só mesmo uma vontade férrea poderia conseguir o milagre de educar seis filhos, de evitar que se extraviassem ou perdessem o entusiasmo, diante das dificuldades por que passavam. Mary, a mais velha, formou-se logo e arranjou bom emprego. E agora Fernando forma-se em Medicina, Luís Carlos em Jornalismo e Mirtes diploma-se pela Escola de Belas Artes. Junto a cada convite de formatura em cartãozinho contém palavras de agradecimentos do formando para o pai Ataliba. Homenagem muito justa, pois ao seu exemplo devem os filhos, realmente, a vitória alcançada. Acredito, porém, que foi em lágrimas que abraçaram Maria, na noite de festa, porque ela, além da perseverança e coragem, possibilitou-lhes, com o trabalho estafante, a realização do ideal. No dia-a-dia, no anonimato, sem diversões, desgastando-se, Maria é bem o exemplo de mãe fora de moda, mas da verdadeira mãe. Pena que Ataliba não estivesse vivo para, na colação de grau de cada um deles, enxugar com o seu sorriso bom as lágrimas de felicidade de sua fiel companheira. (A professora Yvonne Silveira, de 96 anos, é presidente da Academia Montesclarense de Letras. Foi, durante décadas, professora de português, na antiga Escola Normal Oficial. É escritora, com vários livros publicados. Nascida em Francisco Sá, é um dos maiores nomes da história de Montes Claros. Participa, ativa e alegremente, de todas as atividades às quais é chamada, numa permanente disponibilidade que encanta a todos). |