De: Repórter 98 FM | Data: 22/4/2005 11:25 |
Cidade: Santiago do Chile - América do Sul | |
(O repórter
98 – um deles – está no Chile. Foi de férias.
Prometeu enviar “O vôo de 3h20m, desde São Paulo, não desembarca exatamente sobre “Santiago de La Nueva Extremadura”, uma cidade de quase 500 anos e 6 milhões de habitantes, que abriga 40% da populaçaõ do Chile. A esplêndida visão da metrópole, espremida entre duas cordilheiras, não concorre com a visão dos Andes e se desfaz. “Los Andes”, como dizem os simpáticos nativos, superam toda descrição dos bancos escolares quando emergem na proa do avião, retorcidos e soberbos, espetando as nuvens brancas com suas geleiras brancas(foto). A diferença é que ali são reais, existem, amedrontam. Encerram a capital num desfiladeiro coberto de fumaça neste início de Outono. De um lado, os Andres, com seus cumes de 7, 8 mil metros ou mais; do outro lado, a cordilheira da Costa e, depois, o Pacífico, que traz o distante Oriente para perto, como nunca antes fora possível. Para trás, em poucos minutos, ficaram os caracois do rio Paraná, os campos riograndenses, as estepes argentinas, Córdoba, Tucumam, o imponente Acóncaqua e uma história. Não muito distante de onde voamos, um avião militar uruguaio caiu com um time de futebol e, nas geleiras, quem não morreu durante semanas sobreviveu comendo a carne gelada do outro que morreu ao lado. A história virou um filme com muitos nomes e o que me lembro é este – “Sobreviventes dos Andes”, ou algo próximo. A lembrança é um calafrio, pois cair de avião nos Andes é morrer 3 vezes - na queda, na altura que não recua e nas geleiras eternas. Por fim, quando o Boeing com velocidade cruzeiro de 835/km/h e uma temperatura externa de 70 graus negativos inclina, e vaza as nuvens, descobrindo pela frente os Andes finais, certamente a vastidão da cidade não compete, não concorre com os picos que até santa própria têm – Santa Teresa de Los Andes. A cidade corteja a montanha e, as duas, adulam o centro da terra, ali sempre imprevisivelmente revolto, medonho, capaz de acordar, por qualquer motivo, insolente, para depois adormecer por longos períodos. Como agora – quando os terríveis terremotos estão a 20 anos de nós, eles que costumam vir regularmente sempre a cada 15 anos. Assim distantes, ficam próximos, e chamam-se; a cada noite concentram energias para vir acima. São esperados para esta tarde, ou amanhã; talvez na semana que vem, ou na outra, na seguinte. O certo é que virão. Virão, porque tem um encontro eterno com o Chile, e todos o esperam, como num ritual; como esperam os chilenos, a cada primavera, que o gelo da montanha se desfaça em água e que a água transborde este magro e saltitante rio Mapocho, ora excessivamente diminuído no caixão de concreto que lhe custodia. (O longo olhar e o abraço do Chile ao seu próximo terremoto, os próximos, contaremos adiante). Do avião que taxia, a cordilheira fica para trás e na memória; a bruma a reduz a uma tênue, delgada e alta silhueta. Santiago exibe seus Álamos, as alamedas vindas da França, onde Bonaparte fazia desfilar as tropas sempre na sombra. A cidade é vasta, bela, de uma terra branca, porosa, onde talvez comece, ou talvez termine, o gigantesco aluvião de areia que vai, ou vem, do deserto de Atacama, ao norte, o mais intratável do mundo. Os prédios são baixos, na maioria, prudentemente postos asssim para que se contenham nos limites do razoável quando tiverem que tremer, e até cair, por um ou outro terremoto. As avenidas são longas, há verde pelos caminhos, e alegria, e o outono já derruba as folhas sensíveis. Uma só avenida, a do Libertador, nasce no pé dos Andes, atravessa Santiago inteira e vai até o porto de Valparaíso, conhecido como "porto do fim do mundo", cento e tantos quilômetros depois. Estamos no Chile e queremos ir ao poeta. Por hoje, a 3 quarteirões deste simpático Hotel Galerias, iremos só ao Palácio de La Moneda, pela calle Moneda, no centro histórico, bem perto da Plaza de Armas, o ponto zero da capital e da próxima exploração. Veremos, com os olhos de 11 de setembro de 1973, as marcas da artilharia aérea sobre o frontispício deste conjunto neo-clássico (foto), atarracado, despojado até, antiga casa de fundição da moeda colonial, onde o presidente Allende, cercado e exausto, sob a mira dos “pilotos traidores” da Força Aérea do Chile, desfechou contra o peito os tiros da metralhadora que lhe fora presenteada por Fidel Castro para encaminhar a revolução socialista. É uma versão. Ele teria sido morto, é outra. Para uma só tarde, será demasiado desfazer o mistério. Quem vai a procura de versos talvez deva evitar indagações. Impossível. O poeta Neruda, 12 dias depois deste primeiro 11 de setembro das Américas, tambem foi alcançado pelos tiros, embora não estivesse no La Moneda. Estava do outro lado da cidade, no final da BellaVista. O desgosto o matou. Morreu porque nele morreu a esperança, e o câncer que partiu da prostata achou no desencanto daqueles horas um aliado devastador. Amanhã, quando chegarmos à sua casa em Santiago, La Chascona, onde começa o Cerro San Cristobal, com o velório ainda posto na sala, será possível perguntar por aqueles dias. Amanhã. Talvez amanhã. Hoje, na praça defronte ao palácio, no seu pedestral de concreto, Salvador Allende preside a tarde, e os Carabinéri do Chile, orgulho da população por se sentir segura nas ruas, muito segura, os carabinéri permitem educadamente que qualquer um entre e saia da sede do governo, onde agora despacha o presidente Ricardo Lagos. Permitem -. ainda que por lá alguem tardiamente procure o visionário que recolheu seus óculos na sala incendiada do primeiro 11 de setembro das Américas, levantou-se e foi morar à direita dos jardins, com os olhos de cimento voltados para o Chile. E sobre uma frase: “Mucho mas temprano que tarde, de nuevo se abriran las grandes alamedas por donde pase el hombre libre para construir uma sociedad mejor”. (Nos próximos dias, La Chascona, a casa em Santiago de Pablo Neruda; onde viveu, onde não morreu, e onde foi velado, dias depois do grande saque que se seguiu ao golpe de 11 de setembro de 1973, no Chile) |
De: Repórter 98 - Segundo despacho | Data: 16/4/2005 23:45 |
Cidade: Santiago do Chile | |
(Nas linhas abaixo,
o repórter 98 – um deles, envia do Chile o segundo despacho
da viagem que faz ao poeta Pablo Neruda. O primeiro, de semana passada,
está recolocado imediatamente abaixo, para que as duas narrações
obtenham unidade e sentido. Virão outros telegramas noticiosos,
como se dizia nos tempos de Neruda, ou e-mail, como acgora chamam esta
milagrosa forma de comunicação instantânea. Narrarão
a visita à La Sebastiana, em Valparaíso, e à Ilha
Negra, onde sob o olhar do poeta o Pacífico é o mais vasto
e misterioso dos oceanos. E o mais rude. ) “Por estes dias, contemplando o Salvador Allende Gossens que foi morto no La Moneda, ergueu-se e vive nesta estátua de granito, de onde de solenes óculos vê o Chile e é obrigado a ver também, no prédio escuro adiante, os sinais dos balaços que o mataram, interrompemos as primeiras “anotações de viagem” a Pablo Neruda. Hoje, iremos à La chascona, a casa em Santiago de Neruda, que tendo vivido pelo mundo e amado as mulheres, muito sensual que foi, a três delas entregou sua alma, em três casas essenciais. (À La Chascona, diga-se logo, deu sua morte). Em 1939, numa praia desabitada que lhe recordava o áspero e amado Puerto Saavedra da infância, na costa escancaradamente aberta para o Pacífico e para o Oriente, o poeta demarcou a residência oceânica, a que chamou de Isla Negra, sem ser ilha e sem ser negra. Em 1953, com o prêmio Stalin da Paz construiu La Chascona. Estava ainda casado com a segunda mulher, uma argentina vinte anos mais velha, e amava outra em segredo, uma cantora chilena que conheceu no México, a “descabelada”, “chascona”, nome que deu à casa de Santiago . Por fim, em 1959, no porto de Valparaíso, imaginou e finalizou a construção de uma chalé-mirante, que olha para o mar e que chamou de La Sebastiana, em honra do antigo proprietário de quem ficou amigo. As 3 casas, por diferentes que possam ser vistas, mostradas e examinadas, são uma, uniformemente iguais no que nutre o poeta – o olhar. La Chascona olha para os Andes, do alpendre; nas outras duas, é o mar que o poeta procura trazer para a sala, para a mesa, para os quartos, para a cama. Ou é simplesmente a cama que ele deseja pôr no mar. Assim são as 3 casas e devemos entrar já na primeira, La Chascona. APETITE Como faremos isto em tempos diversos, que de agora devem recuar aos dias sangrentos de setembro de 1973, é bom descrever logo, rapidamente, o Chile atual, que ontem nos acolheu. Na geografia, é a tripa marinha de 4 mil quilômetros de cumprimento e 180 de largura média, espremida entre os Andes inóspitos e o Pacífico, que nos seus confins enlaça o Oriente. São 15 milhões de habitantes, remanescentes índios, poucos, os mapuche, e a mistura de índios com os colonizadores espanhóis; 40% dos chilenos estão em Santiago e os demais repartem-se pelo Norte Grande com o deserto de Atacama e pelas regiões frias do sul, até o polo austral. Região farta de vulcões, terremotos e tsunamis, o Chile viveu uma das piores ditaduras do século passado. Hoje, recuperado para a democracia, apresenta a economia mais desemperrada entre os 11 ou 12 vizinhos latinos (a maioria de língua espanhola e um só – o Brasil - que fala português), propiciando um visível salto na qualidade de vida da população. As ruas da vasta Santiago são seguras, limpas e belas; por elas, a qualquer hora do dia e da noite, os patriotas e visitantes andam em perfeita segurança; a polícia protege o cidadão e o cidadão confia na polícia;, os carabinéri do Chile, sem dúvida, são um expressivo e visível símbolo do orgulho naciona, é preciso repetirl. Para quem chega do Brasil, para quem vem de Montes Claros ou de Belo Horizonte, onde sair à noite, e até de dia, em determinados lugares, virou uma aventura e uma temeridade, poder circular por Santiago – de 6 milhões de habitantes -, sem puxar o medo pela mão, é gratíssima alegria. Outra é perceber, rapidamente, que o Estado aqui existe para resolver o problema de todos e não para criar problemas para todos. É nítido, transparente, o esforço do Estado pelo bem geral, sem criar embaraços, exigências, tropeços, armadilhas, leis e artimanhas que asfixiam, infernizam, humilham, empobrecem e aviltam a população, como no Brasil. População moída imemorialmente pelo insaciável apetite do Estado, que nasceu para lhe servir, mas que a exaure torturadamente até o limite da indigência e do esgotamento, seja de que governo for. Os juros bancários no Chile são de 2 por cento ao ano, contra cento e tantos no Brasil, e um apartamento pequeno, no centro de Santiago, pode ser comprado por 20 mil dólares, com prazo de dezenas de anos. A economia funciona, os níveis de emprego são bons, os meninos vão para a escola de gravata e, as meninas, com suas saias quadriculadas e golas de marinheiro. A escola é privada, inclusive a universidade e o ensino primário, mas ninguém que não tenha dinheiro fica de fora, pois há um programa público que assegura a todos o acesso ao conhecimento. MURMÚRIOS É por este Chile de economia civilizada, quase do primeiro mundo, que caminhamos, nesta manhã, em direção ao bairro de Bella Vista, no sopé de Cerro San Cristobal. O caminho é curto, vamos a pé desde a Plaza de Armas, mas, quando lá chegarmos, em poucos minutos, será 23 ou 24 de setembro de 1973, dias depois do golpe do general Pinochet, que matou Allende, o homem de granito e de óculos lá de cima. Na casa, percebam, há murmúrios, e velam um corpo. Não houve terremoto nos últimos dias, mas o estado da casa é de destruição semelhante. A força aérea do Chile bombardeou o palácio; metralharam os prédios vizinhos e escorraçaram a democracia. Depois, saíram atrás dos que não se renderiam. O poeta Pablo Neruda é um deles, longamente indisposto com os tiranos. Está doente. O golpe lhe suprime as forças, mas ele escreve as linhas finais, e dolorosas, do “Confesso que Vivi”. O general Prates, seu amigo, é esperado com uma coluna de tanques que deve marchar pelo sul e que nunca vai chegar. Neruda morre no hospital, longe das três amadas casas. Havia começado a morrer 12 dias atrás – num primeiro 11 de setembro das Américas - quando a rosa rubra que Allende conduziu ao La Moneda converteu-se no cogumelo de fumaça da primeira bomba despejada pelo primeiro avião bombardeiro. A traição dos “pilotos chiilenos” o matou, mais e definitivamente do que o câncer de próstata, que quem sabe? poderia ainda entreter-se com seus versos e deter-se. Cerrada a vida do poeta , multiplicado o ódio que lhe tinham, saíram a saquear suas casas – primeiro, La Chascona, depois La Sebastiana, a que iremos visitar amanhã em Valparaíso. Rasgaram livros, rasgaram fotos, destruíram recordações e histórias, destruíram portas e janelas, estilhaçaram os vidros. Procuravam armas, encontraram poesia, e um caudal de águas desviaram do Cerro São Cristobal para que as três diferentes partes de La Chascona fossem destruídas pela pequena água, a mãe dos rocios, tão do agrado e da intimidade de Neruda. Era o terror do estado, o pior deles, descendo em cachoeiras de vingança na sua própria casa. Quando chegaram com o corpo do poeta para ser velado, e que agora está no segundo andar, deliberaram os amigos não suavizar qualquer traço do ódio que o precedeu, mantendo intacto o rebuço de selvageria. Que o ódio, também ele, velasse o poeta, e por castigo ouvisse sua rapsódia final: “E a minha voz nascerá
de novo, O estádio nacional do Chile – onde o Brasil foi bi-campeão mundial – empapuça-se com milhares de presos, quando o corpo de Neruda deixa a La Chascona para a sua não definitiva sepultura. Eu vejo a cena. Os amigos estão encarcerados, são caçados pelas ruas, mortos e torturados. Os que restaram, que pularam sobre os sabres, estão aqui. Eu os ouço gritar, quando passam com o morto: “Pablo Neruda ? - Presente,
agora e sempre! A VIDA DOLOROSA
O poeta regressou por inteiro a esta casa, partida em três, como sempre partirá suas outras casas em três ambientes distintos. Uma parte, a mais alta, é o “cérebro”; a segunda pertence ao “coração”, ao amor, sempre o amor, e a mais baixa tem a serventia que o estômago tem de sustentar as demais. A via dolorosa que na primavera de 1973 viu passar, envergonhada, o corpo de um dos maiores poetas de todos os tempos, dobrada por uma ditadura cruel, é também de volta uma rua meiga, entortada, que vai vai dar noutra rua, também torta, também meiga e também gentil. La Chascona levantou-se da humilhação, recuperou-se. Não importa, ou muito importa, que numa vitrine junto a livros preciosos, de primeiras edições, guarde e também exiba o pungente apelo de Matilde Urrutia, com sua clara letra, para que cessasse o desvario, para que do extermínio os verdugos poupassem os preciosos originais dos “Versos Del Capitan”, que a ela, e só a ela, pertencem. A canção do amor prudente que nasceu na ilha de Capri. A letra vigorosa da mulher forte, sobrevivente de terremotos especialmente devastadores em sua Chillán natal, foi suficiente para estancar a fúria, submeter a arrogância e, suprema vitória, livrar os versos do estrangulamento. La Chascona assim vive. Na porta da rua, rente ao passeio, no primeiro nível, sempre em forma de navio e com detalhes outros de embarcações, está a sala de jantar, onde Neruda recebia os amigos. Na mesa, há um lugar só dele – onde se senta, e comanda a barcarola gastronômica. Dom Pablo, o gordo “capitão seco”, ancorado na Terra. Mais adiante, há um armário. Por este armário, por uma porta falsa de guarda- roupa, há uma escada oculta para o segundo andar. Nesse andar está o quarto que depois da morte de Neruda ocupou Matilde, a terceira e definitiva paixão. E onde Matilde morreu. Além do primeiro lance dos jardins ascendentes, estão a lareira e o quarto do casal, com vista para os Andes, em forma de farol marítimo. Na cama , triunfa o leão de pelúcia que o poeta ganhou de Matilde ao receber o Nobel de literatura. O quadro na sala, perto de um Panceti, é de Diego Rivera e põe no rosto de Matilde a sua vida dupla. Neruda ainda estava com a segunda esposa e já namorava Matilde. O muralista mexicano, cúmplice, pintou o perfil de Neruda enlaçado pelos cabelos da “chascona”. Por um seguinte caminho entre os jardins, a partir dos aposentos do amor, vamos ladeira acima ao “cérebro” da casa. É o local de trabalho, onde escrevia o poeta, numa mesa de madeira devolvida pelo mar. Nesta caixa de vidro, silenciosos falam os seus óculos de grossas armações. Mais adiante, sem qualquer alarme, estão o pergaminho do Prêmio Nobel de 1971 e a medalha de ouro. Na frente, abrindo caminho para os Andes, fica a sala de leitura do escritório, com o quadro de uma mulher. Neruda ali parava para ler, de costas para a cordilheira. Dizia que a mulher do quadro à sua frente era tão feia que o obrigava a voltar rapidamente para os livros, se levantasse os olhos. A visita à La Chascona – hoje museu – não é demorada, porque há muita gente para entrar. As fotos internas são proibidas, mas o melhor – as vistas que o poeta via e vê – estas são livres e por elas volta Pablo Neruda. Com sua ampla calva. Com a voz quase monótona, fanhosa, anasalada, do sul do chile. Com o sorriso de criança no rosto largo. Com o inseparável boné de jóquei. Recitando: “De outro. Será
de outro. Como antes de mis besos. Ya no la quiero, es cierto,
pero tal vez la quiero.
O menino o segura pela mão e dizem, e concordam, juntos: “O homem que não brinca perdeu para sempre a criança que vivia nele e que lhe fará muita falta”. A chamar o poeta, pelas noites, ficou um jasmineiro, que deita poesia por sua vez sobre o telhado de telhas comuns, dessas feitas nas coxas. Um jasmineiro como os jasmineiros de qualquer parte, em Belo Horizonte ou Montes Claros. Com a graça e o estrito perfume que Neruda foi buscar quando procurou as melhores palavras para celebrar Garcia Lorca, o poeta assassinado na guerra civil da Espanha. Na noite em que os dois deveriam ir ao circo Price de Madri, Lorca não veio. Ao invés de circo, foi a um pelotão de fuzilamento. (Amanhã, visitaremos La Sebastiana, em Valparaíso, terra de rudes marinheiros e por muitos anos o mais remoto porto do mundo. O porto do fim do mundo. A nos esperar, na casa do poeta, um terremoto). “ |
De: Repórter 98 - Penúltimo despacho | Data: 9/4/2005 10:07 |
Cidade: Valparaíso País: Chile | |
(Este é o terceiro despacho, ou “anotações de viagem”, que o repórter 98 envia do Chile. Nos dois primeiros, reposicionados abaixo, fala do país e fala principalmente da primeira casa do poeta Pablo Neruda – em Santiago. Hoje, resume a segunda casa, em Valparaíso, e anota que esteve em Viña del Mar, o mais importante balneário do Pacífico Sul. Sobre esta cidade, recorda apenas que o Brasil ali jogou para ser bi-campeão de futebol, em 1962. E que o lugar, belo e já frio neste começo de Outono, não tem praias que concorrem com as praias do Brasil. E de novo mergulha no poeta do “Yo no lo quiero, amada/ Para que nada nos amarre/ que no nos una nada”). Nas fotos, o "porto do fim do mundo"; e a vista de Valparaíso, do quarto e da cama do poeta, por suas janelas)
Um personagem do Brasil é também herói deste porto e deste povo. Cochrane, o primeiro almirante da Imperial Marinha do Brasil. O lord inglês que a chamado de Dom Pedro I, e pago por ele, correu com a armada portuguesa que resistiu à independência nas costas da Bahia e do Maranhão. Herói, elevado a barão no Brasil, Cochrane depois veio lutar nas frias e revoltas águas do pacífico e aqui –mais do que no Brasil – tornou-se herói no levante pela independência. Sua voz é ouvida neste porto. A praça principal de Valparaíso tem o nome de Vitória. Belas e negras fontes guardadas por negros leões de bronze não deixam esquecer que a esquadra que partiu de Valparaíso venceu a Guerra do Pacífico, e que o Peru, submetido, deixou vir de Lima fontes e leões, belíssimos, que rosnam na praça. Poetas não costumam se inclinar diante de guerreiros, mas o inglês Alexander Thomas Cochrane, da estirpe do almirante Nelson, tem lugar até na sala mais ilustre do porto de Valparaíso, cujas casas penduradas pelos morros lembram ao maior dos oceanos que a soberania das águas aqui acabou. São habitações simples e coloridas de um quadro primitivo interminável, forrando os morros, tendo no meio delas, no ponto mais alto, na melhor vista, no mirante central, tocando as estrelas, entre o mar e dependuradas vidas, a segunda casa de Neruda, chamada de La Sebastiana. DIAS DE GLÓRIA Antes que entremos a conhecê-la, é preciso dizer que o “porto do fim do mundo”, na nossa frente, teve outros dias de glória. Viveu-os até por volta de 1910, quando o Canal do Panamá tornou inútil aquele longo laço de navios até o polo sul, quando era preciso contornar o continente para tocar qualquer outro mar. Seguiu vitorioso enquanto o salitre chileno foi o sal da terra. Os alemães descobriram um substituto sintético, melhor e mais barato, e a riqueza do Chile girou e se perdeu nas minas ainda repletas do Atacama. A outra glória de Valparaíso é um bandido e chama-se Joaquim Murieta , e a glória talvez deva ser partida com o México. Querem uns que Murieta partiu de Valparaíso para ser o aventureiro e salteador que foi na corrida ao ouro da Califórnia, onde chegou antes dos americanos. Mataram sua mulher e o mito – pretendido pelas duas pátrias – ignorou a morte, e segue. La Sebastiana, a casa de Neruda que começamos a ver, é de 1959 e chegam a dizer que é extravagante. O poeta a completou quando havia deixado definitivamente sua segundo mulher, uma argentina, e já vivia com Matilde. Aqui, passavam temporadas, porque o porto, “que abre as portas ao mar infinito”, é diferente da “ prisioneira Santiago, cercada por muros de neve”. Pegou a construção da casa pelo meio e a concluiu como pensou, anexando-lhe andares náuticos, virados para o mar como esfinge em três lances e muitas vistas. Miradouro de oceanos, sustentado por cimento, ferro, vidros e portas baratas, material de demolição, azulejos e toda recordação que juntou por uma vida de viajante. Janelas e portas são escotilhas e a mesa está posta como se o almoço espere o poeta, trazido por correntes marinhas orientadas pelos mapas na parede. “Dom Pablo est ici”, anuncia a placa no barzinho, servido de um sino, debaixo de numerosas escadas, retorcidas, enviesadas, vigias de “recuerdos” que o dono foi anexando, até ancorar no bar onde apenas o capitão de “los versos del capitán” tem ordens para entrar, permanecer e servir os amigos. Só ele. No último andar, queda a cama do casal, de ferro, dourada, obliquamente estendida e oferecida ao mar, que vem e vasa pelos vidros da ovalada alcova. O Pacífico e seus barulhos, navios, rumores, cantos e cerração. Amores, todos são bem vindos a dentro. Se partem os barcos, e se de um deles se acena com um lenço, a despedida talvez peça a cerimônia de um veraz olhar pela escotilha. Sobre a cama, um álbum de fotografias, originais. Consentem que eu o abra e dele salta o poeta amazonense Thiago de Melo, do “Estatuto do Homem”, numa imprecisa comemoração à noite na intimidade de La Sebastiana. Logo adiante, num canto, bradam os jornais chilenos de 1971 que o dono ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. Protegidos das mãos, estão os livros amados , a máquina de escrever, a escrivaninha de tantos poemas, a cadeira de senador romano, o olhar do almirante Cochrane, e, sobre todos, em grau de sisudez que escorre da imensa barba branca, o doce poeta norte-americano Walt Whitman, confessadamente a maior admiração de Neruda, ao lado de Baudelaire e Rimbaud. (Quando ordenava a construção da casa, um pedreiro perguntou ao poeta se o homem era o seu pai. Pablo refletiu e concedeu: “Sim, é meu pai. Meu pai espiritual”). Viajante desde a mocidade, Dom Pablo pouco parou em Valparaíso, mas de lá nunca saiu. Quando lhe tiraram o mandato de senador e ele teve que fugir saltando os Andes, um tempo ficou escondido na casa de um militante do partido comunista, no porto. E, ali, farejado por uma centena de policiais, concluiu seu livro mais importante – o Canto General. O TERREMOTO No “porto do fim do mundo”, como em qualquer parte do Chile, todos têm uma lembrança de algum terremoto. Ou mais de um. Assim descrito, pelo poeta: “ O ruído rouco que vem da profundeza como se uma cidade submarina e subterrânea arrojasse seus campanários enterrados a dobrarem para dizerem ao homem que tudo terminou”. O terremoto e sua mão marinha, o tsunami, descrito por Neruda no “Confesso que Vivi”: “...quando tudo já parecia definitivamente quieto na morte, saiu do mar como o espanto último a grande onda, a imensa mão verde, que, alta e ameaçadora, sobe com uma torre de vingança varrendo a vida que fica a seu alcance”. La Sebastiana, triunfante em suas janelas sobre o mar, jamais foi alcançada por maremoto, porque, no alto, está além e acima da onda maligna. Contudo, suas paredes nos três andares guardam cicatrizes do grande terremoto de 1965. O poeta aqui chegou três dias depois, para examinar gretas nas paredes, relógios no chão, vidros estilhaçados, objetos raros reduzidos a lixo. Dá para ve-lo no meio da cena: Matilde varre a casa , pesarosa, enquanto Neruda a custo acha o papel onde convocar: “Vamos, poema de amor, levanta-te dentro os vidros partidos que chegou a hora de cantar. Ajuda-me, poema de amor, a restabelecer a integridade a cantar sobre a dor”. Em 1973, poucos dias antes de morrer, terremoto igual em violência se abateu sobre La Sebastiana. Talvez pior. Os militares saquearam a casa, com a mesma fúria que dispensaram à La Chascona, em Santiago. Sabe-se que o Chile se protege melhor dos terremotos naturais, do que desses emprenhados pelo ódio. Há uma cultura sísmica que ajuda a entender, com resignada e mansa certeza, que o terremoto, o próximo, sempre virá. A Catedral de Santiago, também ela, já caiu 3 vezes e o intervalo entre um e outro grande abalo é de 15 anos, e já se passaram 20. A energia concentrada abaixo da terra, socada e pisada pelos altíssimos Andes, está madura, pronta para submergir, e os chilenos aguardam. Aguardam serenamente. Ninguém deve correr. As crianças caminharão para o ponto de defesa previamente ensaiado. A nova ferrovia de Santiago promete não desmoronar, porque, suspensa, é feita sobre molas, montadas por engenheiros japoneses, os melhores do mundo em enganar terremoto. Se a terra sacudir de dia, será melhor – pensamos todos. Se balançar durante a noite, Deus esteja! Assim, não será muito dizer que o Chile, toda noite, deita-se com o medo. E que o medo evanesce ao amanhecer, para voltar mais tarde, com a noite. O poeta Neruda, diz o garçon do restaurante Marco Polo, na Plaza de Armas, está por todo o Chile. “Agarraremos em sua poesia. E ele nos consolará com novos versos”. Em vida, Neruda foi um poeta ao reverso. Não tinha existência torturada, era namorador, sensual, glutão, viajante, procurador de aventuras e apreciador dos gozos, do vinho. Não importa que certa medida de desventura o tenha acompanhado do berço. Sua mãe morreu de tuberculose, dias depois que nasceu. (“Sem que me lembre, sem saber que a olhei com meus olhos, morreu minha mãe, dona Rosa Basoalto”). Casado pela primeira vez com uma holandesa, no Oriente, teve com ela uma única filha, que nasceu com problemas congênitos e morreu aos 8 anos, da mesma hidrocefalia. Com Matilde, experimentou duas
vezes a esperança de ouvir o doce “papai”, mas as duas
se frustraram. E o poeta do Chile, nem assim, desistiu da alegria. “A grande chuva austral que cai como uma catarata do Pólo, desde o céu do Cabo de Hornos até a fronteira. Nesta fronteira, o Far West de minha pátria, nasci para a vida, para a terra, para a poesia e para a chuva”.
De volta a Santiago, o sentido choro de um menino na porta de um tribunal chama o pai, e pode acordar o poeta). |
De: Repórter 98 - Quarto e último despacho | Data: 2/4/2005 21:15 |
Cidade: Isla Negra - Santiago do Chile | |
(Abaixo, as derradeiras
“anotações de viagem” do repórter 98
que foi ao Chile, e já volta, visitar as três casas do poeta
Pablo Neruda. Nos 3 primeiros despachos, viu e comentou os Andes e as
casas La Chascona e La Sebastiana. Neste último, vai a Isla Negra,
que mais do que qualquer outra casa retém a poesia de Dom Pablo.
Além de guardar o próprio poeta, infinitamente disposto
diante do Oceano Pacífico). Estas são as últimas anotações enviadas do Chile sobre as três casas do poeta Pablo Neruda. O menino nascido em 1904, com o nome de Neftali Ricardo Reyes Basoalto. Nascido em Parral, ao sul, e criado em Teumuco pelo pai ferroviário (de trem lastreiro) que depois da morte da mãe se casou novamente e lhe deu irmão e irmã. Até aos 69 anos, quando morre, Neruda repetirá que a chuva é o personagem inesquecível de sua vida –, a fria e duradoura chuva austral, que dura 13 meses no ano de apenas 12. A poesia o acometeu cedo, quando aprendeu a escrever, e sentiu “uma vez uma intensa emoção e tracei algumas palavras semi-rimadas, mas estranhas a mim, diferentes da linguagem diária”. O resto é sabido. Neftali levou a primeira “visita da inspiração” ao exame do pai, que lhe perguntou: “de onde o copiaste ? ”. A fria recepção começou por matar Neftali e a fazer nascer Pablo Neruda, o nome tcheco que buscou aleatoriamente para permitir que a poesia jorrasse sem a censura paterna. Os dias e noites da Teumuco incrustada em região indígena, servida de belos rios e de um oceano que só acaba no Oriente, são os definitivos de sua poesia e de sua vida. O mais que fez depois, viajando quase sempre, foi revisitar o menino de Teumuco, que certa vez conheceu “uma senhora alta, com vestidos muito compridos e sapatos de saltos baixos”. A nova diretora do liceu de meninas - Gabriela Mistral, que, como ele, seria Prêmio Nobel de Literatura, pergaminho que pode ser visto no claustro da Igreja de S. Francisco, no centro de Santiago, a mais antiga igreja do Chile e a que jamais tombou diante dos terremotos. “EU ME VOU’ Por um trem noturno, que consumiu a noite e depois o dia, o poeta chegou a Santiago aos 17 anos, para aprender francês. Seus melhores poemas viajaram juntos na mala adolescente, prontos. Na rua Maruri, hoje pouco localizável na Santiago de 6 milhões de habitantes, nas margens do rio Mapocho, Neruda anexa poemas de entardecer numa pensão de estudantes e publica o primeiro livro - “Crepusculário”. Nele, acima de todos, salta Farewel, retirado da boca de um quase ou pós-menino: “Fui teu e foste minha. Serás do que te ame, do que colha no teu horto o que eu plantei/ Eu me vou, estou triste; mas sempre estou triste/venho desde os teus braços. Não sei aonde vou/ ... Desde teu coração diz adeus um menino. E eu lhe digo adeus”. Um ano depois, mal entrado nos 20, repete a dose com os 20 Poemas de Amor e uma Canção Desesperada, de onde retira-se para a carreira solo o poema 20, conhecido e recitado por toda parte : “ Puedo escribir los vessos mais tristes esta noche...” Saído da mais abandonada adolescência, firma-se o poeta, que em seguida vai correr o Oriente e as “residências na Terra”, como adido diplomático do Chile, em aventuras que saltarão de porto em porto, até regressar e partir muitas vezes do Chile. Senador aos quarenta e poucos anos, será despojado do mandato e obrigado a fugir a cavalo pelos Andes, “com quem não se brinca”. Ou forçado a ir para a cadeia. Um ano antes de morrer, receberá a ovação final do Chile, reunido em novembro de 1972 no Estádio Nacional; o mesmo estádio que 10 meses depois se encherá de presos políticos, entre eles seus amigos. O poeta já era, desde 21 de outubro de 1971, Prêmio Nobel de Literatura. Viria a ser embaixador na França. Tinha, porém, encontro marcado com o último revés, no primeiro 11 de setembro das Américas, em 1973, por ocasião do golpe contra Salvador Allende. Morreria de câncer, 12 dias depois, e toda a glória reverenciada no mundo não livraria 2 de suas 3 casas de serem saqueadas pelo Exército. ISLA NEGRA O mar, a fome, o vento, o frio, a aventura, a neve, o rio, o bosque e o amor, sempre o amor, estão no núcleo da poesia de dom Pablo, mas num degrau menor que a chuva de Teumuco, que nunca acaba. Assim recordando, entremos nesta casa de Isla Negra, que nos abre a última porta ao poeta. Ele está aqui. Seu corpo estendido diante da praia nimba o Chile. “Mergulhado nessas lembranças, desperto subitamente com o ruído do mar. Escrevo na Isla Negra, na costa, perto de Vakparaíso. Acalmaram-se há pouco os grandes vendavais que açoitaram o litoral. O oceano – que, mais do que eu o olho na minha janela, me olha a mim com seus mil olhos de espuma – conserva ainda no marulhar a persistência terrível da tempestade”. As aspas do “Confesso que Vivi” sinalizam a importância da casa de Isla Negra na obra de Neruda. O poeta vivia já com a segunda mulher, a argentina Delia del Carril, 20 anos mais velha, depois de separar-se da primeira, que lhe deu a filha morta de hidrocefalia aos 8 anos. Em 1939, depois da guerra civil da Espanha, o casal comprou a casa em praia desabitada, sem água potável e sem eletricidade, mas que lhe lembrava o mar e portos da infância. A habitação precária se resumia a um corredor, um banheiro, cozinhas e dois dormitórios. “E, pelo mesmo preço, um mar enorme que não cabe nos seus olhos.” Aos poucos, à custa de livros, imprime a marca pessoal, estreando neste resumido terreno costeiro o ritual das casas partidas em 3 núcleos, como fará nas outras – ordenando “cabeça, coração e estômago". Estava decidido a escrever aqui o seu Canto General. “A costa selvagem da Isla Negra, com o tumultuoso movimento oceânico, permitia que eu me entregasse com paixão à empresa de meu novo canto”. DIAS ESTIVAIS Era já o homem feliz, como consentiu que o descrevessem, e como de fato foi, sem se deixar torturar pelos próprios tristes versos. Neruda troca os dias estivais de Isla Negra pelos de inverno, de longe a estação preferida de seus versos, “quando uma estranha floração se veste com as chuvas e o frio, de verde e amarelo, de azul e purpúreo”. É quando açoita o vento sul a praia, com fúria, expelindo sal, espuma e as ondas que viajam do pólo chileno. Assim, surge esta Isla Negra, sem ser ilha e sem ser negra, mas com formidáveis estrondos de mar, substituta criada do Puerto Saavedra dos olhos infantis. A pátria dos primeiros dias, a visão que impregnou os versos inaugurais, muito se desfez, de fato, pelo terremoto de 1960. ‘Sempre suspenso como uma espada de fogo”, o cataclismo “aniquilou” com suas lembranças e levou até a casa de nascença, em Parral, desfeita: “Entrou o mar que levou rolando as casas e as embarcações. Os molhes ficaram retorcidos e desbaratados. Uma onda gigante açoitou as papoulas. Tudo foi destruído neste ano de 1960. Tudo. Que minha poesia conserve em sua taça a antiga primavera assassinada”. O navegante estático finca-se aqui em terra firme; o marujo imóvel instala-se para adorar as ondas por elas mesmas. Teme maremotos e marulhadas, mas os busca, e ali os espera, especialmente quando “os invernos transcorrem com um espaço povoado até o infinito pelo férreo mar e pelas nuvens que o cobrem’. Depois, reafirmaria: “ - O mar me pareceu mais limpo do que a terra. Nele, não vemos os crimes diabólicos das grandes cidade, nem a preparação do genocídio. À beira-mar não chega o smog purulento, nem se acumula a cinza dos cigarros defuntos. O mundo se oxigena junto à higiene azul das ondas”. (Mas, queixa-se: “a única coisa que entra no inverno, no outono e também na primavera são as gabelas, os fiscais, os avisos tributários, as cutiladas do imposto”). NA PONTA DO TROVÃO Recomponho, e vejo. Num desses violentos ribombos do Pacífico contra o jardim de Isla Negra, certa vez temeram os amigos que a casa do poeta e ele mesmo tivessem sido engolfados pelo mar. Foi quando daqui saiu, dias depois, o mensageiro verso tranquilizador: “Na ponta do trovão andei/ recolhendo o sal no rosto/ e do oceano, na boca, o coração de vendaval/ eu vi o estrondor até o zênite,/morder o céu e cuspi-lo”.
A casa da poeta, que a imaginação antes dispôs em alto penhasco, com o mar em obediente servidão, fica à esquerda, depois da estrada de asfalto, sem sinais de glória, no nível da praia. É só deixar o carro no acostamento e percorrer uma quadra em direção a pouca areia e muito pedra que estancam o Pacífico Sul. Como as casas vizinhas, a de Neruda tem o doce contorno de uma cerca de madeira e seria como as outras não fosse a procissão de visitantes. O primeiro núcleo da casa é de madeira, simples, em dois andares. Aqui, estão as estátuas de proa de Neruda, o equivalente transatlântico de nossas carrancas fluviais; no segundo, a biblioteca e a alcova de Pablo e Matilde, que a simplicidade das 4 janelas de vidro, com altura de um homem, abre os aposentos ao mar. Completamente. A 200 metros da arrebentação, separado por pedras escuras, a cama de Pablo e Matilde flutua novamente sobre o oceano e tem dele a visão completa, integral, visto até os seus confins, com bordados brancos e rendas de altar espumantes. Há fartura de mar para os sonhos do capitão. Se uma embarcação surge no horizonte, navegando para Valparaíso e para o porto do fim do mundo, eis que o poeta deixa tudo e corre. Corre para tocar os sinos que instalou quase defronte, nos mastros em forma de estrela que colecionam 6 deles, perto da âncora enterrada na areia e de uma barcarola branca. Abaixo do quarto, fica o bar da casa e, nele, escritos pela mão do poeta os nomes dos amigos que se foram. No lance seguinte, em direção ao sul, a parte correspondente ao estômago, sempre em formas marítimas, como um convés. Por toda parte, mascarones, barcos veleiros aprisionados em garrafas, coleções de caracóis, de alaúdes, lunetas, retratos de pássaros, recuerdos, fotos dos amigos, livros dos amigos, presentes dos amigos, poesia dos amigos. Por fim, a última escrivaninha, já chegando à porta do quintal e do mar, construída com outro pranchão que o mar devolveu. A meio caminho da cerca que separa o quintal do oceano, no quadrado sem ênfase, entre pequenos tufos verdes e botões cor de rosa, estão na areia branca os corpos de Neruda e Matilde. Seus nomes resumidos – Pablo Neruda e Matilde Urrutia - escritos no mármore com 4 datas, de nascimento e morte, anunciam ao mar que o casal mais feliz da recente poesia mundial ali permanece, lado a lado. O poeta Walt Whitman, pai espiritual e uma das admirações de Neruda, certa vez escreveu: “Se queres ver-me
novamente, procura-me sob teus pés. (Antes de transferir este relato pela Internet, já de volta a Santiago do Chile, uma cena: o repórter 98 e seu amigo Landulpho Silveira, de Poços de Caldas, diretor da TV Libertas de Pouso Alegre, passam diante do Tribunal Criminal. É um prédio solene, próximo de outros, diante do Senado Chileno, ao lado do belíssimo palácio da Chancelaria, logo adiante das ruínas do antigo prédio do jornal El Mercúrio, arrasado pelo terremoto de 85. Os carabinéri do Chile manobram um furgão verde, entrando de ré pela garagem. Os guardas empunham metralhadoras. Um grito de menino, de 10 ou 12 anos, paralisa a manhã. Supõe-se que seja filho de um prisioneiro que está sendo desembarcado pelos fundos. Como as mulheres e alguns homens, como as outras crianças do grupo, o menino se joga no chão e cola o rosto no asfalto, desesperado. Quer ver alguma coisa,
grita um nome, e o repete, aflito: Supõe-se que veja ao menos uma calça, ou uma perna, e do outro lado, responde a voz de homem, rápida. O segundo grito do menino, agora contido pela mãe, é ainda mais lancinante, doloroso. Sugere a voz da rua que o pai talvez seja ladrão, homicida, o que for. O novo grito que percorre e fere o azul da manhã é vasto, escala os Andes, e quem sabe pode chegar ao poeta em Isla Negra. Como explicar a um filho de 10 anos, que estremecidamente ama o pai, que o pai é ladrão e que assim condenado o amor entre eles deve cessar, ser amputado, destroçado e arrancado, se revogado já não pode ser ? ) |
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Para ler "A Fruta Amarela" Para dar um troco em Dan Burstein, autor de "Os Segredos do Código" escrito para os leitores de Dan Brown melhor entenderem "O Código Da Vinci", fizemos esta matéria destinada aos interessados em "A Fruta Amarela", de Flávio Pinto. Gozação à parte, o que queremos é homenagear o colega e, claro, falar um pouco de sua obra.
AFA - O quê você fazia antes de entrar para o BB?
FP - Meu primeiro trabalho, aos 14 anos, foi como escrevente quase juramentado no Cartório do meu tio Joanir Maurício, um homem inteligente e criativo, que era filósofo, pintor, poeta, inventor e engenheiro autodidata. Joanir serviu de inspiração para mim, por sua simplicidade e maneira de levar a vida. Quase toda tarde, fechado o cartório, ele nos levava - eu, e meu irmão, Nilo - para a Lagoa da Barra ou beira do Rio Verde, num velho caminhão Ford 48, em cujo pára-choque se lia: "Fazenda do Pequi : enquanto descansa, carrega pedra", frase que bem caracterizava a família Maurício. E literalmente era o que se fazia: enquanto ele - com sua certeira pontaria - derrubava patos e marrecos, um agregado enchia o caminhão de areia, lentamente, para dar mais tempo da gente aproveitar o lazer. Com 16 anos, entrei para "O Jornal de Montes Claros", como repórter, e tive a felicidade de trabalhar com jornalistas do naipe de Oswaldo Antunes, Waldyr Senna Baptista e do saudoso Caio Lafetá, que tiveram bastante paciência para corrigir meus terríveis textos de iniciante, me mostrando o jeito certo do ofício, até nas piores horas, quando eu tinha vontade de largar tudo e tentar alguma coisa mais fácil. Foi um grande prazer de ter vivenciado aquela incrível redação, onde se fazia o mais moderno jornalismo do interior do país. Tudo dá saudade. As gozações ao levarmos um furo do concorrente, os atentados à "última flor do Lácio", o cheiro de chumbo derretido da linotipo, a urgência quase mortal de escrever um texto de última hora e, mais do que tudo, a convivência diária com inesquecíveis colegas: os saudosos Lazinho Pimenta, sempre de bem com a vida e dando força aos mais novos, e o poeta Humberto Santos, com suas doces e suaves crônicas apaixonadas; também com Haroldo Lívio, Stanislau Guimarães, Waldemar Brandão, Carlos Lindemberg e, mais tarde, Paulo Narciso e Alberto Senna, iniciando belas carreiras no jornalismo mineiro. Depois, na "A Gazeta do Norte", o mais antigo e tradicional da cidade, tive a honra de trabalhar com o lendário Jair de Oliveira que, por décadas, carregou sozinho aquele velho jornal, em meio a revoluções e quarteladas sem fim. Na Gazeta, cheguei a ser até colunista social, substituindo o titular que casou e mudou para a Bahia. Tive a glória de participar da equipe que escolheu Darcy Ribeiro a personalidade do ano, da cidade. Isto em 64, no início da ditadura. Após aquela famosa edição, a gente dormia com um olho fechado e o outro aberto, pronto para pular a janela, caso a "justa" chegasse. Quando a Gazeta fechou as portas eu já tinha ingressado na carreira bancária, primeiro no Banco do Nordeste e depois no BB, onde parei minha mula. Mas a velha chama continuava e voltei ao JMC, escrevendo amenas crônicas semanais, sobre coisas & loisas, como dizia Haroldo Lívio. Assuntos noturno-etílicos acontecidos em estranhos lugares, tanto misteriosos como nefastos, desprezados e não freqüentados amiúde pela fina flor da sociedade montes-clarense. A coluna chamava-se "A Coisa é Assim" e, além de lugares mal falados, também apresentava cágados filósofos e falantes urubus, em meio a uma plêiade de ilustres amigos que se tornaram assíduos personagens, alguns já encantados e outros ainda por aqui, mas todos efetivos e afetivos nas profundezas do meu coração.
AFA - Conte algo engraçado, ou trágico, acontecido naquela redação.
FP - Tragédia, graças a Deus, só aquela da dosagem exata - nem mais nem menos - do dia a dia do noticiário ou da própria vida real relatada, que se diluía automaticamente nos dias seguintes. Não que fôssemos insensíveis ao sofrimento alheio. A gente sofria sim (muito mais com a miséria e a ignorância das pessoas, diga-se), mas se num dia chegava uma notícia ruim, no outro vinha uma pior. Então, acabávamos nos acostumando e...bola pra frente. Quanto às histórias engraçadas, dentre muitas, particularmente me lembro, com alegria, de uma que teve a participação do grande e saudoso poeta Cândido Canela. Toda semana ele escrevia uma poesia ou uma crônica e, com o original no bolso, aparecia na redação e a entregava para publicação. E por ali ficava, comentando, papeando e contando causos, com aquela verve e espontaneidade que só quem o conheceu sabe. Certa manhã, ele entrou. Eu estava só, na redação. O Secretário Waldyr Senna e o Dr. Oswaldo Antunes, em suas salas. Saudei-o efusivamente, como sempre, mas não fui correspondido. Vi logo que tinha alguma coisa errada no ar. Não precisei nem perguntar, ele foi logo falando: "Mas, logo você, que eu mais gosto aqui no jornal, neto de D.Finita Guerra, minha amiga e vizinha, me deixar sair um erro desses, faltar uma letra no título da minha poesia?" Eu , meio que sem entender nada, fiquei calado e aí o telefone tocou, era uma emergência, pedi desculpas e tratei de cair fora. Ainda na rua, subindo a Dr. Santos, olhei pra trás, preocupado, e vi que o poeta também tinha saído. Pensei...E agora? Só quando voltei fiquei sabendo o que acontecera. Na rotina diária do jornal, as provas das matérias saídas da linotipo, de colaboradores e repórteres, permaneciam na oficina depois de corrigidas por quem estivesse na redação, assinadas e colocadas num prego na parede, com os originais. E Candido tinha passado lá antes e visto minha rubrica na prova de uma poesia sua, que saíra na edição daquela manhã. Aí, o Waldyr me contou o epílogo. Logo que o poeta saiu, Dr.Oswaldo, que a tudo ouvira da sua sala, foi até a sala do Secretário, preocupado: "Nossa, você não acha que Candido exagerou? Ficar com essa raiva toda pela falta de uma simples letra ?" Foi quando Waldyr explicou : "É , doutor, mas o caso é que foi no título da poesia "Sob o céu de Montes Claros". Ficou faltando a letra "e" de Céu !... E até o acento ficou..." (risos) O próprio Cândido, nos meses seguintes, cansou-se de rir e repetir este caso (sempre brincando e fingindo uma cara fechada para mim), em que nós dois, eu, repórter iniciante, e ele, poeta e cronista reconhecido nacionalmente, fomos os personagens...
AFA - Como, ou quando, surgiu a idéia de escrever um livro?
FP - Todo foca, repórter ou cronista que se preza alimenta este sonho. Talvez pela gostosa sensação experimentada, quando, pela primeira vez, viu suas idéias no jornal, travestidas naquela fria seriedade das letras negras impressas no papel branco. E, se quisesse repeti-las - em maior amplitude - e com a possibilidade de eternizá-las, o jeito, então, era sonhar alto e tentar cometer um livro. Havia, também, a influência de ídolos e ícones da imprensa e da literatura, nacionais e estrangeiros. A gente era humilde e regional, mas também queria fazer parte do time. Lembro-me que, naquela época, cheguei a começar três romances. Em todos, o mesmo assunto: amores e desamores em meio a doses dramáticas de crimes, mistérios e, de vez em quando, um pouco de horror, se a ressaca estivesse forte demais. Mas, eu só começava, nunca acabava e os mistérios e desamores logo morriam, sem sequer nascer. Quando o tempo da vida real foi passando e as coisas, boas e ruins, acontecendo, as velhas histórias e a vontade de contá-las viraram prioridade. Ainda que fosse necessário dar melindrosos saltos por cima da tênue linha que separa a mentira bem contada (ficção) da verdade mal resolvida (realidade), aquele velho sonho, quem sabe, poderia finalmente acontecer. A partir daí, então, A Fruta veio devagar, tomando gosto e forma, visível, como um filme, à minha frente. Eu só tinha que colocá-la no papel. Quando dei pela coisa, duzentas e poucas páginas haviam se passado. Após muito sangue e algum suor. Só faltavam as lágrimas. Então, eu falei pros meus botões: "Até que enfim, Flavão". E chorei... De alegria, e porque sou chorão mesmo! (risos)
AFA - O escritor Haroldo Lívio, que foi nosso colega, em seu livro "Nelson Vianna O Personagem", dedicou-lhe a crônica "O dia que Flávio Pinto voltou para Montes Claros", referindo-se ao seu retorno à cidade, após morar no Rio. Você, por outro lado, o transformou num importante personagem de A Fruta Amarela, o Dom Harold Livingstone. Trata-se de uma troca de gentilezas?
FP - Grande Haroldo! A minha dívida literária com ele nunca se pagaria com apenas um personagem. Além do quê, como Dom Harold Livingstone - no qual apenas retratei aquele seu fleumático e solene jeito de ser, que esconde um emérito gozador e apreciador da alma humana - a dívida só fez aumentar. A propósito, uma maravilhosa crônica sobre o livro - escrita com sensibilidade pela escritora Carmem Neto Victória - realçou ainda mais a grande performance do seu personagem, provando isto. E devedores lhe somos, todos os participantes daquela velha redação, num tempo sem internet ou google da vida, para nos tirar dúvidas sobre datas históricas, política, prosa, poesias completas e seus autores, tão necessárias a um texto bom e completo, que se tornasse merecedor de um elogio, raro, do Dr.Oswaldo ou do Secretário do jornal. Haroldo, com aquele enorme sorriso, sempre nos dava todas as respostas certas, na hora, de qual época ou antiguidade fossem, e bem mais rápido que qualquer computador. Alguém, de sua intimidade, me disse certa vez, que ele passou vinte e tantos anos de sua vida enfurnado na Biblioteca Municipal, apenas lendo, e tão somente lendo, tudo que lá existia, desde livros até revistas dos anos 20 e 30. Mal saía para dormir ou comer. Eu e os outros sempre acreditamos piamente nesta história e até hoje lhe agradecemos ter compartilhado tanta sabedoria com a gente. Ainda me emociono, e não canso de ver igual grandeza, na gentileza de seu texto para a "orelha" do livro. Um grande abraço, Haroldo, velho amigo!
AFA - Parece que muitos personagens de A Fruta Amarela são inspirados em conhecidos e amigos seus. Fale sobre isto.
FP - Este assunto, quando do lançamento em Moc (foram dois, o outro em BH), andou provocando discussões entre amigos mais chegados, que acreditavam num maior sucesso e entendimento do livro, se fossem identificados os nomes verdadeiros, os apelidos, etc. Com o tempo, eles viram que a intenção foi a de não ser regionalista demais. Lógico que a cidade, suas ruas, gente e lugares são reais e se constituem num dos pontos mais fortes, tanto como cenário, ou quanto a seus personagens históricos. Isto possibilitou a quem nunca morou em M.Claros, nem conhecido tais pessoas, pudesse também apreciar e entender tudo, em igualdade de condições. E foi o que aconteceu. Guardo com carinho vários depoimentos, cartas, mensagens e crônicas publicadas em jornais, recebidas do Brasil inteiro e até do exterior, onde os leitores se identificam naturalmente com uma cidade que nunca conheceu. Pode-se fazer até um pequeno teste: se o leitor resolver mudar os personagens fictícios (a maioria, com apelidos) e trocá-los de lugar nas situações vividas, não se perderá nada na narrativa. A mesma coisa se aplica ao Colégio, que todos acham que é o São José, marista, onde aprendi quase tudo do pouco que sei. Como estudei lá, quem conhece a minha história associa o Colégio do livro a ele. Com certa razão, diga-se. Mas, como na questão dos apelidos, aquele colégio sem nome é o resultado de grande miscelânea: existem vários num só, uma mistura de todas as histórias que ouvi sobre internatos, tanto masculino como feminino, para que todos - que tivessem passado por semelhante experiência - também pudessem dar asas às boas (ou más) lembranças de sua própria época, tão importante para todos. E parece que deu certo, já que muitos leitores relataram, com alegria, coincidências vividas em internatos de padres e de freiras. Até um do Rio Grande do Sul apareceu.
AFA- E a escritora Nádia Batella Gotlib, como entrou nessa história ?
FP - Como um especial anjo da guarda. Eu já a conhecia ( e a admirava) desde quando morou aqui. Ao terminar o livro, me enchi de coragem e mandei uma cópia para São Paulo, pedindo sua opinião. Cortei um riscado nesse tempo que o livro esteve lá. Até que um dia recebi sua crítica, que gostaria de reproduzir aqui, sem falsa modéstia:
"Li seu livro e gostei muito dele. Linguagem clara, direta, com assunto interessante, sabendo manter a curiosidade e expectativa do leitor, variando bem o tipo de caso e conseguindo, com isso, manter um ritmo bem dosado. E tudo regado a bom humor, num relato agradável de se ler e divertido. Trata-se de um inteligente e sensível painel da vida no interior, que escapa das reduções simplistas tão comuns neste tipo de narrativa. Pois seu livro não interessa só aos conterrâneos. São cenas especiais, mas que têm sempre alguma coisa a dizer a qualquer um de nós. Se segue o tipo de narrativa de 'memórias' (creio eu...), datadas e localizadas, aliás, de longa tradição na sua terrinha, tais memórias são de tal como construídas que tocam qualquer um, ora por um ou outro detalhe inusitado, ora pelo empenho afetivo e emocional que você cola ao texto, recursos que você usa bem, sem sentimentalismo piegas nem exacerbação Regionalista".
Ora, depois de receber essa força da titular de Literatura Brasileira e de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa da USP, autora, entre outros títulos, de O Estrangeiro Definitivo, Teoria do Conto, Clarice: Uma Vida Que Se Conta, Tarsila do Amaral, A Modernista, e de Prezado Senhor, Prezada Senhora: Estudos Sobre Cartas, fiquei muito valente. Aí, como se diz naquele querido norte, resolvi soltar A Fruta Amarela neste mundão afora. Convidei-a, então, para escrever o prefácio que, sinceramente, sempre achei que ficou melhor que o livro. É ou não é uma história de anjo da guarda?
AFA - Para finalizar, quando teremos um novo livro ?
FP - Estou pelo meio de um, acho, se é que uma afirmação dessa possa ter alguma validade: como pode existir metade de uma coisa que ainda não se conhece o tamanho? Parece irreal, mas talvez dê para sentir a beleza de fria em que me meti. Fui inventar de voltar no tempo e contar uns casos antigos - acontecidos há mais ou menos cento e cinqüenta anos atrás - misturados com o tempo atual, pulando de Montes Claros para Diamantina e vice-versa, e o trem disgramou. (risos) Foi aumentando de tamanho e tomando tais e diferentes rumos que, de repente, me vi debruçado, dia e noite, em cima de livros e mais livros sobre escravos, extração de diamante, interiores de navios negreiros, tentando ser - o mais possível - fiel à maravilhosa história desta nossa eterna Minas Gerais e não me enveredar completamente pelos falsos caminhos da pura e deslavada mentira. Mas, fora isso ( personagens históricos, datas e lugares), o resto é tudo ficção, com muito amor, desamor, crimes, mistérios e um pouquinho de horror, porque continuo o mesmo,graças a Deus : mais pra aratchara do que propriamente dito. Bom, acho que agora fui fundo demais...Só os velhos de guerra vão entender. (risos) E a eles o meu mais forte abraço.
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